domingo, 8 de novembro de 2009

Figurante

Foto e tratamento gráfico: Fabiana Santinelli



Acordou de um sonho sinistro e suado levantou-se e foi à geladeira. Branca e descascada geladeira, lâmpada dentro, queimada. Acendeu a luz da cozinha. Olhos ofuscados. Atordoado ator, meio acordado, meio vivo. A lata de pêssegos não tinha pêssegos. Bebeu todo o conservante líquido doce veneno, compulsivamente como se fosse licor. Insônia e calor. A gaveta, os comprimidos, boa noite. De manhã, acordou. Som de buzina, carros, cachorros, galos e gente. E o medo do dia pareceu-lhe maior que o medo da noite. A gaveta, os comprimidos, bom dia. Paulo, o personagem pretexto, pensou: "a Arte se levada a sério demais vira Política já que a Cultura Pop é a única coisa mais poderosa que a Religião no imaginário coletivo já que metade do mundo, ou talvez mais, certamente mais, não é cristão, já que todo o mundo assiste TV, vai aos cinemas e aos estádios. Portanto, os ícones pop são tão fortes como modelos acabados de comportamento quanto os modelos políticos e religiosos (há diferença?), mas pega mal dizer isso, pois o Império Romano (o maior que já houve) travestido de Vaticano ainda exerce poder na mídia global." Café preto, um pedaço de pão, um nó na gravata, o nó na garganta, um dó de si mesmo. Lá fora, a vida segue seca. Os carros voam. Os dias passam batidos. Os sonhos morrem. A vida vive. A vizinha lava a rua e fala mal do Prefeito. É logo repreendida pela colega do bairro e da Igreja muito preocupada com o planeta.


Ariel