terça-feira, 4 de maio de 2010

Foto Síntese

Cansado, vazio e quase feliz, João acendeu o cigarro proibido – fugir do tédio insípido, inodoro, incolor, onipresente, onipotente e, quem sabe, onisciente. O tédio, companheiro, junto da pinga e do cigarro proibido. Todos os sentimentos, João sentia. Nem todos entendia. Não entendia era nada. Seguia sua vida, predestinada. E, aos vinte e sete anos do segundo tempo, João não sabia pra onde ia. Não entendia a própria história, não lembrava de piadas. Desaprendeu a sorrir, desaprendeu a amar. João tudo sentia, tudo era, nada sabia. Seu coração vagabundo guardava o mundo. Na hora de dormir, abraçou o travesseiro com as pernas, de lado, na cama, como um feto. Metade das pernas cobertas, leve lençol, suave sensação, proteção... Neste dia, algum dia na vida de João, o calor era considerável, mas de ventilador não gostava. E, para finalizar o ritual – bobo, banal, profano, possível, secreto, sagrado – macarrão e meditação. De barriga cheia e cabeça serena, dormiu gostoso, a velha criança e acordou amanhã/ontem/hoje. Era preciso acordar, fazer coisas, sentir-se útil como se viver fosse quebrar nozes. Estúpido e frenético, sim, estúpido e frenético como um rato esportista em busca de um queijo impossível. Pois era no seu relativo ócio que a criança crescida criava, voava, voltava e sentia-se um alguém tendo o mundo como mestre. Às vezes, saia só, no sol, suava, sorria. Sentia a vida mais viva, às vezes. Mas a hora é nossa senhora e a semana tem sede. Então, sem olhar no relógio, foi pro escritório, a criança crescida, o rato estúpido. Café, piadas previsíveis, tudo de novo. Tudo tão velho. Na tela, o impossível queijo. No céu, o possível sol, ardendo, queimando, brilhando.

Ariel

Um comentário:

Clara Tadayozzi disse...

Quem sabe sejamos todos "Joãos". Realmente sintetiza tudo o que chamamos de vida. Muito bom.