sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Mundo Pensante

O Quarto - Van Gogh

Tinha rosto de criança crescida. Meio enjoado da vida. Novo por fora, velho por dentro. Sorriso amarelo, pele muito branca. Mãos macias de quem nunca trabalhou. Desconfiou do seu travesseiro e não conseguiu dormir. Alguém lhe disse numa festa que ele era per-fei-to! Disse três vezes. “Você é perfeito”. Nem sua mãe lhe disse aquilo. Podia ver as palavras se formando no ar. “Você é perfeito”. Não importava se eram verdadeiras. Foram ditas. Deus e o Diabo falam com a gente através das pessoas. Estranhou o travesseiro e o barulho do ventilador. Alguma coisa fazia sentido demais. Deus falou através do garoto de olhos azuis? Não pensou em voltar lá e pedir uma explicação mais detalhada. Só queria guardar o som das palavras e poder trazê-las sempre que precisasse. Aos poucos, a sensação de estranhamento foi passando e a certeza de algo dito três vezes foi tomando conta do seu espírito. Seu corpo ficou leve e sua cabeça encharcada de amor. Agora, o travesseiro se encaixava perfeitamente. Sentia que pertencia ao mundo e que o mundo falava com ele. Estava cansado de esconder suas feridas com um sorriso de plástico. As palavras voltavam e tudo fazia sentido demais. O travesseiro se ajeitava macio. “Achamos que os pensamentos só acontecem na nossa cabeça. Mas, na verdade, pensamentos são impulsos de energia e informação. Toda a natureza fala a mesma língua. Somos corpos pensantes num mundo pensante”. Desligou o ventilador e dormiu suave. Amanheceu e o sol bateu na janela sem cortinas confirmando sua pequena tese. Herói, louco, maldito, fútil, belo, sagrado... Perfeito. Era. Sim.

Ariel Pádua

2 comentários:

Yasmin disse...

renascente. ameno. bonito.
adorei, como adoro todas as suas
escritas. muito boas. arrasa. rs

Clara Tadayozzi disse...

Perfeito como um golfinho.
Era, sim. Perfeito.

"Tchau perfeito."
Arrasou.