quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pessoas


É preciso cautela.
A gasolina pode acabar, o coração pode apertar.
E a vida pode pregar peças e pregos.

Quem são os poetas?
Pessoas: entediadas, melancólicas, românticas.
Por algum motivo (pessoal) decidem escrever.
Na tentativa em vão de espantar o tédio.
E se fazer ouvir.
Se fazer ser.

Pessoas.
Procuram motivos. Inventam motivos.
E, motivadas, vivem de falácias e farmácias.
Abduzidas, seguras, convencidas... do futuro.

Absurdo.
Ontem, hoje, amanhã: sonhos.
Sedutores sonhos.

Ariel

"O mundo foi feito pras pessoas comuns, Ariel." - Loo


sábado, 26 de setembro de 2009

Luana

Lucas - Estúdio Desenhativo


Goteiras, charmosas goteiras e bacias pela casa. Paredes descascadas e um inseto que voa em direção à luz. Velas, caravelas, caramelos. Manhã fresca. Tim Maia na agulha. Chorar lendo cartas velhas. Chorar. Chuveiro elétrico e a sensação de limpeza por fora e por dentro. Desacelerado dia. Passado visível. Escrever um poeminha pra ninguém. À vaca de saltos? Mais um fado enfadonho para aguardar fatos. Boatos. Tão chatos como amarrar cadarços e derramar pasta de dentes no uniforme da escola.


Ariel

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

História com H

Esta história não é uma história porque não é linear, não é dividida em três Atos e, semanticamente, não é história nem estória. Não tem rosa nem romance. Não pertence a mim. Não pertence aos homens, menos ainda às mulheres que são um subproduto da Civilização, contudo, são o centro, o óbvio, o útero, a matriz. Mesmo assim, por alguma razão que Freud complicou, Kafka confundiu e Clarice bem que tentou clarear, Elas estão, de modo geral, fora dos livros, à margem da “história” e agora uso aspas para deixar nítido que a história não é a história, e, a mulher representa esse processo do mundo, da lua, de gerar vida e aconchego no mundo da caça e do caçador. E, agora, a civilização com suas novas tecnologias e facilidades, resultado da “história dos homens” deixou a mulher novamente à margem, mas dessa vez sem função. Se antes a mulher era a 'rainha do lar', agora não é rainha nem da 'cocada preta', escrava, costela. E o poder ainda nas mãos dos “homens”: agora versões andróginas, mulheres com pênis, poder e pavio curto. Mamilos, só de enfeite. Belos, egocêntricos, dominadores (como muitas mulheres-mulheres, é verdade), mas os homens-mulheres são todos os homens, de todas as épocas. Fenomenais jogadores de futebol, eleitos por comentaristas de TV, que nas horas vagas divertem-se com outros homens-mulheres (ou mulheres-homens). E a conclusão disso tudo é que estórias mal contadas, se muito contadas tornam-se verdades universais: perfeitas. Mas na verdade tudo não passa de ilusão de ótica. Pura ilusão de ótica se o que nos separam são apenas pequenos acessórios biológicos e roupas. Roupas. Adoro jiló. A vírgula é minha, boto onde eu quero. O homem-homem é um produto da guerra, da força física (hoje, mantida nas academias de musculação). A tecnologia torna todos os seres equivalentes e igualmente desimportantes para o curso da história. Com ou sem h.


ARIEL

10 Filmes Geniais



1 – Cría Cuervos – Carlos Saura

2 – E o Vento Levou – Victor Fleming

3 – Amarcord – Federico Fellini

4 – Laranja Mecânica – Stanley Kubrick

5 – Barton Fink – Joel Coen

6 – Psicose – Alfred Hitchcock

7 – Cidade de Deus – Fernando Meirelles

8 – Fama – Alan Parker

9 – Café da Manhã em Plutão – Neil Jordan

10 – Edward Mãos de Tesoura – Tim Burton


Ariel

terça-feira, 22 de setembro de 2009

DEZ LIVROS ESSENCIAIS

1 – A Hora da Estrela – Clarice Lispector

2 – Teorema – Pier Paolo Pasolini

3 – Capitães da Areia – Jorge Amado

4 – Demian – Herman Hesse

5 – Simulacros e Simulação – Jean Baudrillard

6 – Morangos Mofados – Caio Fernando Abreu

7 – A Alma do Homem Sob o Socialismo – Oscar Wilde

8 – A Revolução dos Bichos – George Orwell

9 – Genealogia da Moral – Friedrich Nietzsche

10 – Fragmentos de Um Discurso Amoroso – Roland Barthes


ARIEL

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

MAROLA


Beto tinha três filhas: Lúcia, Sofia e Júlia. Apesar de não saber muito como lidar com as mulheres, e ter sido recentemente trocado por um argentino por sua esposa Clara, Beto tinha algo de mágico que magnetizava suas filhas em torno de sua personalidade leve e encantadora. Perdeu uma mulher, mas tinha três muito fiéis. E todos os seus planos eram questionados e analisados por elas. Mas sempre apoiados em suas versões finais, revisadas e editadas com carinho por Lúcia, Sofia e Júlia. Um time infalível. E foi assim sempre. Até mesmo quando Beto teve alguns relacionamentos passageiros com outros homens. Júlia era entusiasmada com tudo, não via problemas em nada. Sofia era doce e cautelosa. Lúcia era tímida, introspectiva e brilhante nas horas certas. Todas tinham algo em comum: a devoção total ao pai. Essa harmonia nunca se quebrou. A natureza tem dessas coisas indestrutíveis como os diamantes e as baratas. Os quatro tinham uma ligação natural que não era abalada por marolas da vida. Tinham muita sorte também, luz, chame como quiser – essas coisas inexplicáveis. As filhas cresceram. Sofia e Júlia tornaram-se grandes mães como boas ítalo-brasileiras. Lúcia preferiu desbravar um pouco o mundo. Fotógrafa e filósofa, mantinha a família informada de tudo através de cartões postais, e-mails, orkut... Era mais compreensiva com a mãe Clara, claro, Lúcia era meio cigana também, por isso entendia melhor a mãe. E foi justamente Lúcia que ajudou na reconciliação quando Clara, decepcionada com o argentino canalha, quis voltar com Beto – o homem perfeito: na cama, na cozinha, na conta bancária. Clara era instável e egoísta (quem não é?), mas era amável, inteligente e linda demais para Beto dizer não. Beto disse sim. Lúcia acompanhava tudo de longe, brincava de Deus, feliz como nunca.

ARIEL

sábado, 19 de setembro de 2009

Medo

Arte: Daniel Araújo



Circular e gravitacional – feito uma peça num quebra-cabeças impossível e radiante –, busco raízes esquecidas, referências mortas-vivas sem lugar real, pois já não há nada além da sedução. De tempos em tempos, somos atingidos por uma histeria histórica sem sentido, ventilando como borboletas alucinadas que em dado momento param de bater as asas por motivos térmicos ou esotéricos. E aí só fica o resíduo. O mel. Doce e grudento feito uma música eterna, tocando sem cessar. Na ordem do dia dos simulacros, tudo isso passa batido. Bato uma. Bato duas vezes na porta que não abre. Bato palmas, só, na platéia de qualquer Medeia. Soníferos sonoros, sorrisos holográficos. Sem sombra de dúvida, sei quem sou. Mesmo que meu passado tenha sido simulado pela máquina de moer sonhos e meu futuro seja incerto como todos os futuros abrigos. Queridas abóboras, ezis-tu!


ARIEL

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Céu Laranja


Como carne. Vermelha, branca ou lilás. Qualquer uma!, menos moela: é que odeio miúdos, miudezas, picuinhas. Meu espírito é épico, mas meu corpo é lírico e limitado. Ninguém perguntou nada, mas eu vou falar. Agora todo mundo pode falar um pouco sobre nada. Confesso que abandono livros e pessoas pela metade e jogo fora o miolo do pão – faço uma bolinha e arremesso!, livros e pessoas pela metade. Confesso que procuro uma Nova Metade: maior que a Primeira e menos cítrica – do tamanho do Céu Laranja confortável e casual com cheiro de erva-doce.

Ariel Pádua


"Todo o real é residual, e tudo o que é residual está destinado a repetir-se indefinidamente no fantasmal."
Jean Baudrillard

"Você é a mesma de sempre. Só que desabrochou em rosa vermelho-sangue."
Clarice Lispector


terça-feira, 15 de setembro de 2009

quase

Ilustração: Daniel Araújo



sorriu um sorriso amarelo quase contido quase consigo piscar os olhos tensos suas mãos atadas nos bolsos da calça desbotada pele

desabotoada por um impulso quase otimista de quem compra convites antecipados pincela verdades enlatadas vacas atoladas até o pescoço horroroso da vera fisher só ficou o nome

a agressividade dos ressentidos com o tempo leva os teletubbies ou terei de ser mais redondo e estupidamente gelado e óbvio como flores sem sair do lugar

afirmando incertezas com toda clareza e sofisticação quase coerente quase natural quase original

ariel

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Orgânico


Metódico & farto de si & cheio de dúvidas & dívidas & sonhos óbvios & frases feitas & gestos comuns & pensamentos circulares – obsessivos (liberdade fechada em si mesma) – era assim que era Eu agora como todo mais-um da face da Terra!, Tenho sorte? Que Eu é mais forte? O Eu linguístico, editado, virtual – ou – o Eu carne-osso, de movimentos desajeitados, humanos? Tem um Deus em cada Eu? Ou tem um Eu em cada Deus Ególatra? Ou dá na mesma? Ou não dá em Nada? Corra!, os Andróides estão entre nós, disfarçados de surfistas de Cristo, vendedores da Avon, representantes da HerbaLife, funcionários sorridentes do Pão de Açúcar, Silvios Santos, Hebes Camargos, Robertos Injustus, Lulas, Serras, Mariahs Careys... Mas Eu não! Eu sou orgânico, espontâneo, lúdico, puro, sutil, viril, modesto e belo. O Andróide é Você.

Ariel

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Cartão Postal


Neste dia, João não foi trabalhar, não beijou a sua mulher, não consertou a privada, não bateu no filho mais novo, não sacaneou o vizinho do outro time, não comeu canjica. Orgulhoso, pagou o fiado no bar, esperou o trem e fumou feliz. Achava que sabia o que estava fazendo. Precisava ter certeza. Então teve. Cansou da pessoa que o mundo deixou ele ser. Leila esperava flores do outro lado da maior cidade do Brasil. João, ansioso, da Silva apagou o cigarro e entrou no trem. Viu o mundo passar parado pela janela, feliz, e fim.

Ariel Pádua

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Intuição Masculina

Foto: André Lucato (Londres)



A solidão era a única verdade daquela família de petistas funcionários do Banespa em 87. A psicologia estava super em alta, o capitalismo bombando e a Xuxa miando contra o baixo astral na televisão. As crianças eram monstrinhos consumistas. Perfeitas na sua maldade sincera. Os pais brigavam na sala como se Bruno e Rafael não existissem. Crianças crescidas sem graça – pensou Rafael. Bruno sabia jogar bola, fazer pipa, essas coisas de menino. Rafael não sabia fazer nada. Só pensar. Gostava de ficar no meio dos adultos ouvindo fragmentos de fofocas. Marcelo e Joana, gato e cachorro, Bruno e Rafa. Reuniões do PT, festas sem fim. Frio. Mãe errada no supermercado. Solidão – a mesma de ontem, hoje e amanhã. O choro. O chão. O céu. A pipa do Bruninho subindo, sumindo no céu entre nuvens e pássaros pensativos. Rafael tinha intuição masculina e previu tudo. Só ficou ele. Os outros foram morar nas nuvens. Seu tio Antonio contou todos os detalhes horríveis que ele só foi entender e sentir alguns anos depois.


Ariel Pádua



quinta-feira, 3 de setembro de 2009

zoológico

Ilustração: Daniel Araújo


lá pelas tantas da madrugada quando a cidade média dorme intranquila e a chuva esfria a periferia a zona sul chora seu sonho azul como um rato atrás do queijo isadora não vê a hora de mudar para brasília faz as malas e faz de conta que é feliz porque tudo vai mudar num ritual frenético e obsessivo sai sem norte carregando sacolas do carrefour calcinhas e meias entradas para cinema ela só quer voar se cansou de pisar em ovos e fingir tudo em brasília todo mundo vai achar que eu sou rica e tenho muitos amigos por isso isadora chora por dentro porque é muito branca e depois de se formar em farmácia na pior faculdade ficou pra sempre desempregada porque todo mundo me conhece em brasília posso fazer qualquer coisa até trabalhar em shopping faz de conta que sou uma girafa lógico e todo mundo veio aqui pra me ver

ariel



estava cansada do esforço de animal libertado.

clarice

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Bananas de Pijamas


O Império da Mediocridade começou com a Revolução Burguesa da Terra do Nunca. Todo mundo sabe disso na Área 51, mesmo não tendo uma Boa Idéia do que seja o Brazil, desconfiam que são um povo alegre cheio de penas. Estão certos. O Brasil está na moda. Mas esse filme é velho: Carmem Miranda, Zé Carioca... Será que o “Mickey Mouse Obama” conhece o Jorge Amado, a Clarice, a Elis...? Deus abençoe a América (do Sul). Todos precisam de Heróis. Aos 13, sozinho no meu quarto, ouvia mil vezes, até gastar, o disco ‘As Quatro Estações’ do Legião ‘Renato Russo’ Urbana. Agora, que o-Brasil-está-na-moda-e-daí, o mundo descobriu o que eu já sabia desde os 7 sobre o Caetano – graças a minha família –, que ele é, e sempre será, o Super Bacana. As pessoas mais legais são como ele: orgulhosas, eloquentes, mas sabem dar uma sumidinha básica e pedir desculpas na hora certa. Depois, voltam com Tudo o que tem e não tem pra dar como a Madonna e o Johnny Depp. De verdade, ninguém sabe nada. Elegem filósofos, ídolos, ícones, santos, deuses, reis, anjos, grifes, gurus... Substitutos das Fadas que nos botaram no mundo, no colo, no berço, na cama, na escola, na rua. Ninguém sabe nada. As Mães desconfiam.

Ariel Pádua

terça-feira, 1 de setembro de 2009

por exemplo


, curvada, foi tateando até encontrar o enxaguante bucal debaixo da pia – manter o hálito fresco custa –, desgostosa, lembrou do dentista entre o banheiro e o quarto – dois passos – sofistas, surfistas, e, masturbou-se como todos os dias, mas, sem êxito, não gozou – gozado, desatada, desatou a chorar e a rir e a cantar e sem titubear chamou a polícia – único número que sabia –, abriu a geladeira da prima mais rica, da cidade mais feia do mundo, foi nesse dia que passou a gostar de doce de figo, foi assim, pegou a faca mais afiada que tinha e cortou o figo ao meio, minto, foi dois dias depois de dormir para sempre e acordar só em qualquer sofá – finjo tudo – disse clara, curvada – quando suas frases e seus sedativos não faziam mais efeito


ariel