sábado, 27 de fevereiro de 2010

futilidades descabidas

futilidades descabidas
é o nome do jogo sem
vencedores

nu de razão
desprovido até mesmo
de uma estratégia
muda

ao menos posso
reafirmar um ponto-de-vista
qualquer agora é meu
patrimônio genético impulso
narcisista

os ponteiros do relógio
vermelho quebrado
indicam três diferentes caminhos e meio
assim sem sal no mínimo é
isso


ariel

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sopa de Letrinhas

Te vejo num grande navio. Com as mãos e a boca e os pés amarrados. Como uma linda flor presa na terra. Como uma grande língua presa na boca. Como o bom português preso às regras gramaticais. Guardando um rebanho de letras rebeldes.

Não há porque buscar palavras empoeiradas no dicionário se o mundo é corriqueiro. É preciso ser compreendido e instantaneamente esquecido para ser lembrado. É preciso morrer e nascer muitas vezes. Pra ter uma história pra contar.

E nadar no mar de letrinhas. E beber a sopa de ilusões até se afogar de vida.

Te vejo com seus vícios de verão, felicidades de canudinho e sonhos de confetes. Deixe as águas baixarem, verá as janelas acesas dos prédios refletidas no teu ser pequeno como um grão de areia. E grande como uma grande rocha.

Todos sabem, no fundo (do mar), que o impossível é apenas o contrário do possível. O não, não existe. O impossível é apenas uma palavra secundária, derivada, do medo. O impossível é possível.

Não imagine uma praia deserta. Não! Tarde demais. O sim novamente venceu.




Ariel

sábado, 20 de fevereiro de 2010

cinco minutos a viuvinha II

quando você chegar
com as malas promocionais
e pacotes de fio dental abertos
prometo não te transformar
numa empregada de cabelos curtos

não te obrigar a arrumar
a cama de manhã e à noite
varrer o chão do quarto
da cozinha do banheiro

prometo te agradar de vez
em quando dizer que você cheira
a uma caixa de revistas manchete
guardadas há muito tempo


ana guadalupe

http://welcomehomeroxy.blogspot.com

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Mundo Pensante

O Quarto - Van Gogh

Tinha rosto de criança crescida. Meio enjoado da vida. Novo por fora, velho por dentro. Sorriso amarelo, pele muito branca. Mãos macias de quem nunca trabalhou. Desconfiou do seu travesseiro e não conseguiu dormir. Alguém lhe disse numa festa que ele era per-fei-to! Disse três vezes. “Você é perfeito”. Nem sua mãe lhe disse aquilo. Podia ver as palavras se formando no ar. “Você é perfeito”. Não importava se eram verdadeiras. Foram ditas. Deus e o Diabo falam com a gente através das pessoas. Estranhou o travesseiro e o barulho do ventilador. Alguma coisa fazia sentido demais. Deus falou através do garoto de olhos azuis? Não pensou em voltar lá e pedir uma explicação mais detalhada. Só queria guardar o som das palavras e poder trazê-las sempre que precisasse. Aos poucos, a sensação de estranhamento foi passando e a certeza de algo dito três vezes foi tomando conta do seu espírito. Seu corpo ficou leve e sua cabeça encharcada de amor. Agora, o travesseiro se encaixava perfeitamente. Sentia que pertencia ao mundo e que o mundo falava com ele. Estava cansado de esconder suas feridas com um sorriso de plástico. As palavras voltavam e tudo fazia sentido demais. O travesseiro se ajeitava macio. “Achamos que os pensamentos só acontecem na nossa cabeça. Mas, na verdade, pensamentos são impulsos de energia e informação. Toda a natureza fala a mesma língua. Somos corpos pensantes num mundo pensante”. Desligou o ventilador e dormiu suave. Amanheceu e o sol bateu na janela sem cortinas confirmando sua pequena tese. Herói, louco, maldito, fútil, belo, sagrado... Perfeito. Era. Sim.

Ariel Pádua

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Playmobil


Fume vários cigarros - bem rápido -, é praticamente igual... Funcionam pra mim! Cigarros e Coca Light. Nenhum coelho passou apressado por isso não seguiu ninguém naquela noite branca. Os cigarros, esses sim, funcionaram. Coca Light não quis tentar. Pensou que a Coca Light era só a parte piada. Como azeitonas murchas tiradas da pizza: piadas são dispensáveis. O riso é quase mecânico, uma mistura de preconceito com medo. Não é legal. O sorriso brotado é mais nobre. Brotando como pipocas, os coelhos... Brancos, fofinhos, apressados, medrosos, ariscos, férteis, sexuais - quando escrevo, escolho as palavras pelo som, nunca pelo sentido, não é um truque para ocultar verdades, é que não sou lógico, olho pro relógio, sinto medo, sinto frio, sinto muito -, sinto, não sou e não sei, nada. E o preconceito. Este nunca tem pressa porque tem raízes profundas. A noite branca mostra o amanhã amanhecendo tão claro. Já vai acordando e fazendo café bem preto no piloto automático. Já vai escolhendo a cueca vermelha. Já vai decidindo as eleições presidenciais e o Oscar de melhor maquiagem. Sua cara é de pau e de poucos amigos. Frio como um Playmobil nazista, dá seu último trago, antes de. Nascer de novo?

Ariel

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Gangorra

Paul Klee

O Senhor Tédio vem às vezes dizer que você não é nada e que não faz diferença. Não que ele esteja completamente errado. Somos poeira no vento. Mas a vida contraria a razão. “A única conclusão é morrer.” – disse Pessoa. Se a vida é razão e toda equação leva à neutralidade, então Pessoa está certo e Senhor Tédio também. Mas a vida é inventada, sonhada. É ficção real com começo, meio e fim (não necessariamente nesta ordem). E essa história pode ser divertida, ou bela... Já que a vida é tentativa, é erro, é encontro, é desencontro, é amor, é sexo, é riso, é sorriso, é só, é acompanhado, é vela, é cela, é choro, é chuva, é rima, é sina, é ouro, é morango... É sonho. É doce no começo e amarga no fim. Em alguns casos, exatamente o contrário. O Senhor Tédio é muito amigo da Dona Rotina. Eles estão sempre fofocando e cuidando para que tudo nunca mude. Deixa eles pra lá! O Senhor Tédio e a Dona Rotina são realistas demais.


Ariel Pádua