sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Atrizes

Rodrigo Rosa


As flores são das mulheres. Flores espinhosas como Dona Rosa que gosta de sofrer em voz alta. Flores e filhos, só delas. Segundo a Bíblia, a Mulher é a tentação, o pecado, ou seja, o Diabo. Dona Rosa veste Prada, outras nada. Certas Orquídeas compram na Daslu, enquanto as Margaridas vestem Daspu. Todas são atrizes: dramáticas, verborrágicas, intensas, superficiais – dominadoras controladas pela Lua e pelos Hormônios – escravas, negras e brancas, da beleza. Mas podem ser mães e usar uma flor no cabelo. No resto, ainda perdem em Direitos e Dinheiro, mas quanto custa uma flor no cabelo? Deveriam reclamar com o Papa, porém, parecem apreciar esse círculo vicioso – mandam seus filhos mais “sensíveis” para o Seminário, para o Exército ou para o Psiquiatra –, perpetuando o machismo-homossexual-camuflado da sociedade. Nascidos de quadros assim, somos personagens sonhados no sonho de um Deus singular, e contaminados pelo Tédio – constante – aguardamos um remédio que venha da NASA ou de Cuba e troque o Não pelo Sim – dando algum sentido as coisas.

Ariel Pádua


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Pedro e o Paraíso


Entusiasmado, com brilho nos olhos, Pedro Gabriel entrou na sala do chefe da Indústria Sucroalcooleira, e, bastante exaltado (e exausto), finalmente, pediu demissão. Aquilo era muito pouco pra ele. Não foi pra isso que estudou Agronomia e leu todos os livros do Herman Hesse. Para se tornar um neo-capitão-do-mato da Nova Escravidão Branca Nordestina Alcoolizada? Não. Pedro não queria mais aquela vida de gravatinhas, cafezinhos, piadinhas machistas, comentários idiotas sobre esportes, campeonato de panças, Juliana Paes... Pedro queria paz! Aquela realidade, muito próxima, fazia sentir-se culpado. Era uma culpa diferente de comer um bife ou fumar um baseado. Era uma realidade próxima demais, nua, crua e mal passada. Pedro viu amigos de infância, da pequena cidade de Monte Aprazível, morrerem por causa daquela merda toda. E viu gente humilde, de sotaque engraçado, passando fome, cheios de filhos, e outras coisas de embrulhar o estômago. Por isso, no dia 2 de março de 2009, Pedro Gabriel disse o Não mais saboroso da sua vida. Recebeu um bom acerto da empresa e mudou-se para a Suíça – onde tudo é perfeito, tudo funciona, ninguém passa fome, as mulheres e os homens são lindos e os restaurantes são ótimos. É isso que importa! A origem do dinheiro era incerta e distante. Um paraíso fiscal, é verdade. Mesmo assim, um verdadeiro Paraíso.

Ariel Pádua

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Piloto Automático

André Lucato


O hábito não faz o monge, mas faz, sem dúvida, o tédio, o vazio, e me faz escrever por escrever no piloto automático, firulas e pérolas e recortes sem alma. Qualquer coisa que me leva do nada a lugar nenhum. Há tantas maneiras de não dizer nada. Escolho aqui a mais adequada. Quando se está apaixonado, tudo parece fazer sentido. Mas o amor é mal educado. Chega e vai, sem pedir licença, sem dizer obrigado. Num mundo onde tudo é calculado, o amor é espontâneo, porém, caótico, imprevisível. Não me venham com frases feitas, hoje não. Já bastam as minhas! Não se trata de sofrer por antecipação. É que só a paixão legitima o ridículo de acordar todos os dias no mesmo horário e fazer as mesmas coisas e rir das mesmas piadas prontas. Só a paixão justifica viver num mundo sem pontos, nem vírgulas, deselegante, onde já não é possível distinguir com tanta clareza entre porcos e homens – de boca fechada são quase iguais –, e os espíritos mais nobres encontram-se cansados. Frases feitas? Hoje não. O que não mata, deixa sequelas e enfraquece o coração.

Ariel Pádua

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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Teologia

André Lucato


Ian voltou de sua introspecção sagrada e profana, breve e eterna, e num estalo, levantou-se, bebeu um café preto, forte e doce, tomou um bom-banho e saiu, mais ou menos, sem destino. Era um dia de sol, sábado, salgado, vivo. Primeiro passou na casa de uns velhos amigos recentes, mas não achou nada. Andou e respirou e sentiu-se só e sentiu-se bem; arejado, forte como uma árvore, livre como um pássaro e as horas passavam, e, para preencher as horas passou na casa de um-certo-alguém. Era caminho, e no desenrolar das horas e das emoções, Ian descobriu que podia ficar invisível e, de óculos escuros, viu o mundo com olhar de fotógrafo, cineasta, e, entendeu a beleza e a leveza do agora. Com Teo, foi andar no cemitério, um museu de vidas: curtas, longas, públicas, privadas. Ian abraçou Teo com amor. Encostados numa grande árvore, de imensas raízes, ficaram ali, algum tempo, contemplando a paz do silêncio, quando, na hora certa, Teo disse: podemos voltar, amor? Ian, num estalo, jogou o maço de cigarros, prometeu virar vegetariano e trocar de emprego. Teo prometeu começar uma nova dieta na segunda, ler mais e falar menos, mas isso não disse, apenas pensou.


Ariel
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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Tinta Fresca

André Lucato




Débora nunca gostou do seu cabelo muito liso, nem do seu nome e tinha espinhas. Nunca sorriu. Só pra tirar fotos, mas não conta. Era feia. Amarga, invejosa e fofoqueira. Todo mundo é meio Débora pra falar a verdade. Todo mundo já foi feio, já foi pobre, ou é, ou será. Será velho, será chato... Débora! Era uma víbora. Criava intrigas na escola e tudo acabava em pancadas na saída. Ela saía sempre ilesa por fora e marcada por dentro. Canceriana, dizia que a loucura é que move o mundo – pra frente ou pra trás –, mas o tédio paralisa, e, o tédio é a infelicidade. Sorria por dentro com suas pequenas maldades diárias e seguia lisa e ilesa. Um belo dia Débora ficou bela. Teve seus 15 minutos. Casou-se com um dentista, e juntos, compraram um apartamento de revista. Foi feliz pra sempre até os 47. Depois do enterro, o dentista desenterrou uma ex-namorada do mesmo nome. Mania, sina, sinal? Pouco importa. O dentista queria tudo novo, assim-bem-clean-sabe, branco como o céu, do jeitinho que ele viu na revista.


Ariel Pádua

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"Há três espécies de déspota. Há o que tiraniza o corpo. Há o que tiraniza a alma. Há o que tiraniza o corpo e a alma. O primeiro chama-se Príncipe. O segundo chama-se Papa. O terceiro chama-se Povo."

Oscar Wilde

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Amante da Esquina

André Lucato



O macarrão quase no ponto, ao dente. Laura salivava. O molho vermelho, a carne moída. Nelson, jogado no sofá, divertia-se com as facas Ginsu na TV. Cortava tudo! Mas Nelson não queria cortar nada. Nem cebola pra ajudar no molho da Laura. Estava tudo bom como estava. Homem não chora e não corta cebola. Laura era boa de cama e de fogão e pra ela também estava tudo bom como estava. O amante na esquina; amanhã, dia de faxina. Quando Laurynelson nasceu, os dois ainda viviam essa perfeita harmonia. Laura foi promovida na Herbalife. Nelson ficava careca aos poucos e o bairro completamente de saber de tudo. Um dia Nelson descobriu o amante da esquina. Laurynelson voltava da Microlins quando ouviu a explosão, o grito. Tudo ficou vermelho na sua cabeça. Abriu a porta da sala, aproximou-se da cozinha. A panela de pressão tinha explodido. Laura tomava banho, gritou de susto. Nesse dia, Nelson chegou mais tarde em casa, um discreto sorriso, o amante da esquina era Corinthiano, mas não era fiel.


Ariel Pádua

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terça-feira, 11 de agosto de 2009

Atento e Forte

Ilustração de André Lucato


Há certas horas que o tempo parece um cara chato que a gente atura por alguma “razão” porque não dá pra ficar invisível. Dá sim. Quem é “feliz” não escreve, não cria, não busca. Já achou a sua caipirinha na praia. Mas quem reflete lida melhor com as ressacas da vida. Pensar é saber andar e respirar. A mente não é uma instituição separada do corpo. A mente é o corpo. É tudo uma coisa só. Para os orientais, a disciplina não é um fardo, uma obrigação, mas uma atitude quase mecânica e quase natural: saudável. O tão falado “desapego do ego” é saber que você é único, mas não é o único, e, no vão entre um pensamento e outro mora a intuição. A Yoga é a ciência da atenção. Atenção em si, atenção no todo. Você é o observador de você. Nossa meta não deveria ser a “felicidade”, algo tão distante e ideal, mas sentir-se bem agora. Atenção total, olhos abertos, peito aberto, coração tranquilo. Talvez um pouquinho mais, andar na corda bamba se for preciso (equilíbrio), se for necessário. Só o necessário.


Ariel

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domingo, 9 de agosto de 2009

Nossas Senhoras


Carmem Miranda foi nos anos 40 a primeira popstar mundial. Ainda não havia Elvis, nem James Brown, e o Frank Sinatra é um belo chato. Carmem foi a mais brasileira das portuguesas, e, a mais brasileira das brasileiras, porque inventou um ícone de brasilidade. O ícone definitivo.

Nosso país é uma terra de cantoras. Uma tradição paradoxalmente machista. Os homens escreviam as letras e as mulheres cantavam. Como musas, sereias, Iemanjás... Acredito que esse processo não foi muito diferente nos outros países.

A partir dos anos 70 a coisa começou a mudar, aqui e lá fora. As cantoras-compositoras puderam se destacar no auge de uma indústria fonográfica faminta e sintonizada com os avanços feministas. Rita Lee foi o símbolo dessa geração.

Na década de 80, Maria Bethânia fez muito barulho e vendeu milhões, sendo o que é, maravilhosa.

Adoro as meninas do ABBA, Mama Cass, Kate Bush, Irene Cara e Gal foi fatal. Sinead é sublime. Donna Summer tem voz de inverno, de açúcar, de anjo...

A Melhor é nossa, Elis, impecável. A Maior, peca, é do mundo, é nossa também: Madonna, a mais famosa e influente cantora que já existiu. Seu maior trunfo é poder ser tudo. Pegou pra si um pedacinho do paraíso, rápida, como um raio de luz.

Madonna: santa, guerreira, mulher-macho-sim-senhor porque ela é americana e não desiste nunca.
A mais brilhante de todas as Marias.


Ariel Pádua


Maria Bethânia é a segunda artista feminina em vendagem de discos na história do Brasil, atrás apenas de Xuxa. Revolucionou a forma de fazer espetáculos no Brasil, intercalando músicas com poemas.

Vale Tudo

O intervalo ficou mais legal que a novela. Isso é triste e constrangedor. Enquanto os comerciais disparam slogans de liberdade tipo: “não se reprima”, “redondo é rir da vida”, “mente sem fronteiras” e outros semelhantes, as novelas perderam completamente o sentido de arte. São friamente estudadas para agradar a massa na medida certa. Sem chocar. Sem fazer pensar. Apenas entreter, hipnotizar e plim-plim. É claro que nem sempre funciona porque a massa não é tão burra quanto eles pensam e porque o fator surpresa é o fator audiência. Eles sabiam disso nos anos 80, mas parecem ter esquecido. A TV aberta é fechada. A TV fechada é aberta. Mas é paga. E como poucos podem pagar, poucos são atingidos pelo que se chama de vanguarda. E as coisas mudam a passos muito lentos e eu não tenho paciência. Por isso não vejo TV. Raramente alguma coisa na Cultura ou um pedacinho do JN pra saber o que os idiotas estão falando e provavelmente os outros idiotas vão comentar no dia seguinte, incluindo infelizmente a minha pessoa, fazê-o-quê. É assim: o dinheiro controla a política, a política controla a TV, a TV controla o povo e o povo controla o próprio povo. Tudo é cenográfico e a gente não se vê por aí.


Ariel Pádua

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Enlatados

A cada mil lágrimas nasce um Maluf e os milagres ficam pra domingo numa igreja próxima de você. Criticar a igreja é chover no molhado. Mas o grande problema é quando a igreja começa a engolir o que sobrou de Cultura. Os cinemas ficam restritos aos shoppings, os templos do consumo, enquanto as igrejas pipocam como lojas de 1,99. O capitalismo é sem coerência por definição e as igrejas hipócritas por natureza. Algumas já possuem canais de TV, jornais, revistas e elegem deputados e senadores. Pedem um pouco do seu dinheiro e todo seu cérebro em troca de um céu cenográfico, renúncias e sacrifícios. E a vida passa. O socialismo é uma utopia. Sim. Mas o capitalismo é a utopia vigente que não deu certo. Real e cruel, covarde e falsa. Por isso, “camarada”, quando beber o seu caldo-de-cana docinho e abastecer o seu carro com etanol sentindo-se ecologicamente correto, lembre-se dos cortadores de cana “importados” do nordeste. “Aqueles coitados”, escravos, fodidos e mal pagos bebendo suas “caninhas” no bar da esquina depois de um exausto dia de “trabalho”. Essas pessoas sem chances costumam morrer aos 35 de complicações pulmonares devido ao tipo de trabalho exercido. Ironicamente, vivem um pouco menos que a maioria dos médicos e juízes (complicações cardíacas) com suas bundas gordas, sedentárias e pós-graduadas. Uma “judiação”, não é mesmo? Afinal, estudaram tanto para chegar Lá. Poxa-vida!

Ariel Pádua

Umbigo

No corre-corre cotidiano, frente às tolices frequentes da falta de tempo, sinto o gosto de mofo exposto no rosto de todos. Vejo gênios presos em lâmpadas com seus egos cheios de gás hélio. Nenhum ombro amigo quando você mais precisa porque na vida real não há coadjuvantes, todos são principais, apenas conservantes e conservadores. Palavras mal colocadas e desencontros e o que sobra é lixo não-reciclável: mágoas. Quando faço tudo diferente, tudo acaba igual. Tudo acaba. Mas o jogo não. Esse nunca acaba. Esse jogo mórbido e mercenário ocupando um lugar onde só poderia haver entrega e cumplicidade. E a segunda chega implacável com seus comentários ridículos sobre futebol. Toda relação é uma competição: agressividade subliminar, teatro de mau gosto que no meio do furacão separa as aparências do verdadeiro valor. O protagonista fica só em cena. As luzes acendem e não há ninguém na platéia.

Ariel Pádua