Joana abusava dos decotes. Sentava na primeira carteira para sentir-se a primeira. Em casa, era a irmã do meio. Mas na classe era a primeira. Logo atrás dela, sentava um gorducho com cheiro de remédio. Todo mundo queria ser a Joana, sentar na frente, apagar a lousa, a bela letra, os decotes... Só Joana não queria ser Joana. Joana queria ser homem, mijar em pé, jogar bola, andar de skate com o irmão mais velho e jogar Atari com o mais novo. Mas a casa nunca foi dela. Joana só era Joana no colo do pai e na beira da pia. Por isso, ia orgulhosa pra escola, onde reinava. E, naquele ano da Quinta A, mesmo sem saber, todos, sem exceção, queriam ser a Joana: o rebelde mimado das calças rasgadas, o pretinho repetente, o gorducho com cheiro de remédio, a garota de óculos da boca roxa, o menino afeminado que sempre sentava perto da porta. Todas e todos.
Ariel Pádua
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2 comentários:
Vou seguir a massa, quero ser Joana também !!!
"só joana não queria ser joana." são várias, as joanas.
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