Foto de Fabiana Santinelli
Ariel
Foto de Fabiana Santinelli
Foto e tratamento gráfico: Fabiana Santinelli
Daniel Araújo
Foto de Ariel Pádua
Esta história não é uma história porque não é linear, não é dividida em três Atos e, semanticamente, não é história nem estória. Não tem rosa nem romance. Não pertence a mim. Não pertence aos homens, menos ainda às mulheres que são um subproduto da Civilização, contudo, são o centro, o óbvio, o útero, a matriz. Mesmo assim, por alguma razão que Freud complicou, Kafka confundiu e Clarice bem que tentou clarear, Elas estão, de modo geral, fora dos livros, à margem da “história” e agora uso aspas para deixar nítido que a história não é a história, e, a mulher representa esse processo do mundo, da lua, de gerar vida e aconchego no mundo da caça e do caçador. E, agora, a civilização com suas novas tecnologias e facilidades, resultado da “história dos homens” deixou a mulher novamente à margem, mas dessa vez sem função. Se antes a mulher era a 'rainha do lar', agora não é rainha nem da 'cocada preta', escrava, costela. E o poder ainda nas mãos dos “homens”: agora versões andróginas, mulheres com pênis, poder e pavio curto. Mamilos, só de enfeite. Belos, egocêntricos, dominadores (como muitas mulheres-mulheres, é verdade), mas os homens-mulheres são todos os homens, de todas as épocas. Fenomenais jogadores de futebol, eleitos por comentaristas de TV, que nas horas vagas divertem-se com outros homens-mulheres (ou mulheres-homens). E a conclusão disso tudo é que estórias mal contadas, se muito contadas tornam-se verdades universais: perfeitas. Mas na verdade tudo não passa de ilusão de ótica. Pura ilusão de ótica se o que nos separam são apenas pequenos acessórios biológicos e roupas. Roupas. Adoro jiló. A vírgula é minha, boto onde eu quero. O homem-homem é um produto da guerra, da força física (hoje, mantida nas academias de musculação). A tecnologia torna todos os seres equivalentes e igualmente desimportantes para o curso da história. Com ou sem h.
Arte: Daniel Araújo


Ilustração: Daniel Araújo

Rodrigo Rosa
André Lucato
André Lucato
Débora nunca gostou do seu cabelo muito liso, nem do seu nome e tinha espinhas. Nunca sorriu. Só pra tirar fotos, mas não conta. Era feia. Amarga, invejosa e fofoqueira. Todo mundo é meio Débora pra falar a verdade. Todo mundo já foi feio, já foi pobre, ou é, ou será. Será velho, será chato... Débora! Era uma víbora. Criava intrigas na escola e tudo acabava em pancadas na saída. Ela saía sempre ilesa por fora e marcada por dentro. Canceriana, dizia que a loucura é que move o mundo – pra frente ou pra trás –, mas o tédio paralisa, e, o tédio é a infelicidade. Sorria por dentro com suas pequenas maldades diárias e seguia lisa e ilesa. Um belo dia Débora ficou bela. Teve seus 15 minutos. Casou-se com um dentista, e juntos, compraram um apartamento de revista. Foi feliz pra sempre até os 47. Depois do enterro, o dentista desenterrou uma ex-namorada do mesmo nome. Mania, sina, sinal? Pouco importa. O dentista queria tudo novo, assim-bem-clean-sabe, branco como o céu, do jeitinho que ele viu na revista.
Ariel Pádua
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"Há três espécies de déspota. Há o que tiraniza o corpo. Há o que tiraniza a alma. Há o que tiraniza o corpo e a alma. O primeiro chama-se Príncipe. O segundo chama-se Papa. O terceiro chama-se Povo."
Oscar Wilde
André Lucato
A Geração MP3 já não tem heróis porque atingiu o nível 6 do Individualismo. Uma idéia por dia, um ídolo por semana, uma ideologia por mês. Ainda restam, é claro, alguns resquícios do Cristianismo e da Pop Art. Mas a tendência... A tendência é tudo virar tendência. Tendências sem finalidades. Sei que faço parte de um seleto grupo de predestinados. Mas que glamour há nisso? Se este grupo não tem nada a dizer e diz por insônia ou narcisismo. Excluídos bem escolhidos como feijões podres que olham para as rugas das paredes mal pintadas das suas casas pobres. Os bobos da corte que dela não fazem parte. Por isso levantam o tapete e espalham toda a sujeira. Do Pó viemos, ao Pó voltaremos, mais tarde, àquele rio da Itália, um dia, quem sabe. Talvez seja tudo uma questão prática. Peeling, yoga, comida natureba, meditação e vida eterna agora. O Amor, a gente protela. A Política, a gente protesta por protestar. Quando sai um Sarney, entra outro com mais sarnas. Sanguessugas. Só resta celebrar a Glória de estar vivo. Rir e chorar e às vezes se dar ao Luxo de não sentir Nada.
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"A minha pergunta será portanto tão simples como as minhas análises: há limites para a indignação?" - José Saramago
http://caderno.josesaramago.org/2009/07/06/critica



– Manso e mediano, caminho humilde em busca de luz e ar puro, da verdade definitiva e consoladora, intestinal e doméstica – mas de todos os eletrodomésticos que me relacionei até hoje, foi o liquidificador o mais encantador – talvez pela sua simplicidade de uso e valor simbólico – não se trata aqui de nenhum tipo de ‘fetiche cyberpunk’, um pouco fora de moda, mas sim um certo orgulho animal-humano civilizado de beber doze vitaminas essenciais e sentir o sabor de tudo ao mesmo tempo agora – oral, verbal – é neste e só neste momento que se revela o erotismo da coisa – em meus escritos enlatados = coisas, circulares e, pretensamente, bem costurados, revelam-se incertezas éticas e fascinações estéticas, vícios, ou melhor dizendo, ideologias – nascidas sempre de ressentimentos que, em uma análise mais calma, nem a mim pertencem de fato, na maior parte dos casos – por isso esqueço por um tempo as laminas e concentro-me nas vitaminas – esqueço as teses e as conclusões e concentro-me nas ‘ciências ocultas’ da arte – por algum tempo – e, entre tantas teorias que se fundem, se confundem e se anulam – entre tantos ‘ses’, fico com a beleza plástica e meditativa das palavras, talvez nelas residam algumas verdades – por algum tempo –Ariel
A noite gela e gera monstros e sombras, rumores e amores mal resolvidos, fotografias envelhecidas. Alice não sabia dançar. E eu, assim, não sabia dar o peixe nem ensinar a pescar. Alice vai ser estrela de cinema. Vai ficar pra sempre no céu com os diamantes. Um dia eu vou também, boneco pagão, fantoche, tomar um quentão na quermesse, atirar em patinhos amarelos. O frio da noite pede cama, carne, calor. Pede Alice, pede laços, lagos e luas. A noite pede aço, pede veludo. Pede maçã-do-amor.