domingo, 20 de dezembro de 2009

Cota Diária

Foto de Fabiana Santinelli


José Geraldo era um maluco que dava lucro. Nesse mundo de desassossego e de sinuosos apelos, ele consumia seu próprio veneno feito de dor e alegria em pó misturado com água viva da chuva fria de uma manhã remota em São José dos Campos. Lembrava com precisão do tom dos pelos do seu primeiro cachorro roubado, mas não se lembrava direito do rosto do seu pai sempre atrás do jornal segundas intenções e na página três um pouco de emoção policial do tipo "o que fizemos com os nossos filhos". Não ensinamos o principal: querer nada, ser só si, ver e voar como o vento batendo na porta de Deus. José Geraldo mantinha suas tolas idolatrias, desejos vulgares e um orgulho ressentido requentando todas as tardes. É claro que isso não era pra ele algo solene, talvez ritualístico, mania mesmo, para se proteger de sua própria liberdade animal. Quando dizia o que pensava gastando sua cota diária de maldade sentia-se cansado e tentado a sair buzinando suas qualidades feito um grande idiota. Talvez isso verdadeiramente se desse. Moderno, Zé Geraldo desceu a rua não imaginando nada, apenas sentindo uma profunda paz que nasce da lama, que vem do orgulho, a paz que só os mais sujos e os mais nobres podem sentir. Sentiu sem entender. Sorriu e estralou os dedos do pé.

Ariel

domingo, 8 de novembro de 2009

Figurante

Foto e tratamento gráfico: Fabiana Santinelli



Acordou de um sonho sinistro e suado levantou-se e foi à geladeira. Branca e descascada geladeira, lâmpada dentro, queimada. Acendeu a luz da cozinha. Olhos ofuscados. Atordoado ator, meio acordado, meio vivo. A lata de pêssegos não tinha pêssegos. Bebeu todo o conservante líquido doce veneno, compulsivamente como se fosse licor. Insônia e calor. A gaveta, os comprimidos, boa noite. De manhã, acordou. Som de buzina, carros, cachorros, galos e gente. E o medo do dia pareceu-lhe maior que o medo da noite. A gaveta, os comprimidos, bom dia. Paulo, o personagem pretexto, pensou: "a Arte se levada a sério demais vira Política já que a Cultura Pop é a única coisa mais poderosa que a Religião no imaginário coletivo já que metade do mundo, ou talvez mais, certamente mais, não é cristão, já que todo o mundo assiste TV, vai aos cinemas e aos estádios. Portanto, os ícones pop são tão fortes como modelos acabados de comportamento quanto os modelos políticos e religiosos (há diferença?), mas pega mal dizer isso, pois o Império Romano (o maior que já houve) travestido de Vaticano ainda exerce poder na mídia global." Café preto, um pedaço de pão, um nó na gravata, o nó na garganta, um dó de si mesmo. Lá fora, a vida segue seca. Os carros voam. Os dias passam batidos. Os sonhos morrem. A vida vive. A vizinha lava a rua e fala mal do Prefeito. É logo repreendida pela colega do bairro e da Igreja muito preocupada com o planeta.


Ariel

terça-feira, 13 de outubro de 2009

MARINA

Daniel Araújo




Enquanto os olhos da cidade repousam sobre cada cota de sangue do velho travesti jogado na rua molhado molhada como uma Tele Sena perdida jogada jogado no lixo sangue e chuva escorrendo na janela como lágrimas, Marina parecia uma louca um louco delineador desenhando um rosto perfeito feito uma gata no cio sem frio, decotada pelas ruas algemadas como se cada vírgula fosse um poema como se cada gota da gata fosse um acessório dispensável como vírgulas e pontos elegantes disfarçando um texto vazio – as grandes esmeraldas – então tudo continua a não fazer nenhum sentido, no entanto brilham as esmeraldas e os dentes separados no ninho – olhos oásis, noites do norte (juro que vou pra Salvador este ou ano que vem depois de Buenos Aires). Marina, o nome mais lindo, vive delineando situações inverossímeis e a cada talvez (dentro dela) nasce um sim e morre um não. A cada não nascem cem (possíveis) sins. Marina se molha de água do mar. Fecha os olhos e sorri morna e lisa.


ARIEL

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Cena Aberta

Foto de Ariel Pádua

Entre tantos antecedentes impertinentes (fatos fúteis), refutados logo de cara com a ferida aberta em cena: sonhos de Ovomaltine, garrafas, Pet Shop Boys na vitrola. Numa das gaiolas, um hamster tenso – penso nas férias na praia. Preciso nadar, correr e lembrar. Correr e lembrar.


Ariel

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Pessoas


É preciso cautela.
A gasolina pode acabar, o coração pode apertar.
E a vida pode pregar peças e pregos.

Quem são os poetas?
Pessoas: entediadas, melancólicas, românticas.
Por algum motivo (pessoal) decidem escrever.
Na tentativa em vão de espantar o tédio.
E se fazer ouvir.
Se fazer ser.

Pessoas.
Procuram motivos. Inventam motivos.
E, motivadas, vivem de falácias e farmácias.
Abduzidas, seguras, convencidas... do futuro.

Absurdo.
Ontem, hoje, amanhã: sonhos.
Sedutores sonhos.

Ariel

"O mundo foi feito pras pessoas comuns, Ariel." - Loo


sábado, 26 de setembro de 2009

Luana

Lucas - Estúdio Desenhativo


Goteiras, charmosas goteiras e bacias pela casa. Paredes descascadas e um inseto que voa em direção à luz. Velas, caravelas, caramelos. Manhã fresca. Tim Maia na agulha. Chorar lendo cartas velhas. Chorar. Chuveiro elétrico e a sensação de limpeza por fora e por dentro. Desacelerado dia. Passado visível. Escrever um poeminha pra ninguém. À vaca de saltos? Mais um fado enfadonho para aguardar fatos. Boatos. Tão chatos como amarrar cadarços e derramar pasta de dentes no uniforme da escola.


Ariel

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

História com H

Esta história não é uma história porque não é linear, não é dividida em três Atos e, semanticamente, não é história nem estória. Não tem rosa nem romance. Não pertence a mim. Não pertence aos homens, menos ainda às mulheres que são um subproduto da Civilização, contudo, são o centro, o óbvio, o útero, a matriz. Mesmo assim, por alguma razão que Freud complicou, Kafka confundiu e Clarice bem que tentou clarear, Elas estão, de modo geral, fora dos livros, à margem da “história” e agora uso aspas para deixar nítido que a história não é a história, e, a mulher representa esse processo do mundo, da lua, de gerar vida e aconchego no mundo da caça e do caçador. E, agora, a civilização com suas novas tecnologias e facilidades, resultado da “história dos homens” deixou a mulher novamente à margem, mas dessa vez sem função. Se antes a mulher era a 'rainha do lar', agora não é rainha nem da 'cocada preta', escrava, costela. E o poder ainda nas mãos dos “homens”: agora versões andróginas, mulheres com pênis, poder e pavio curto. Mamilos, só de enfeite. Belos, egocêntricos, dominadores (como muitas mulheres-mulheres, é verdade), mas os homens-mulheres são todos os homens, de todas as épocas. Fenomenais jogadores de futebol, eleitos por comentaristas de TV, que nas horas vagas divertem-se com outros homens-mulheres (ou mulheres-homens). E a conclusão disso tudo é que estórias mal contadas, se muito contadas tornam-se verdades universais: perfeitas. Mas na verdade tudo não passa de ilusão de ótica. Pura ilusão de ótica se o que nos separam são apenas pequenos acessórios biológicos e roupas. Roupas. Adoro jiló. A vírgula é minha, boto onde eu quero. O homem-homem é um produto da guerra, da força física (hoje, mantida nas academias de musculação). A tecnologia torna todos os seres equivalentes e igualmente desimportantes para o curso da história. Com ou sem h.


ARIEL

10 Filmes Geniais



1 – Cría Cuervos – Carlos Saura

2 – E o Vento Levou – Victor Fleming

3 – Amarcord – Federico Fellini

4 – Laranja Mecânica – Stanley Kubrick

5 – Barton Fink – Joel Coen

6 – Psicose – Alfred Hitchcock

7 – Cidade de Deus – Fernando Meirelles

8 – Fama – Alan Parker

9 – Café da Manhã em Plutão – Neil Jordan

10 – Edward Mãos de Tesoura – Tim Burton


Ariel

terça-feira, 22 de setembro de 2009

DEZ LIVROS ESSENCIAIS

1 – A Hora da Estrela – Clarice Lispector

2 – Teorema – Pier Paolo Pasolini

3 – Capitães da Areia – Jorge Amado

4 – Demian – Herman Hesse

5 – Simulacros e Simulação – Jean Baudrillard

6 – Morangos Mofados – Caio Fernando Abreu

7 – A Alma do Homem Sob o Socialismo – Oscar Wilde

8 – A Revolução dos Bichos – George Orwell

9 – Genealogia da Moral – Friedrich Nietzsche

10 – Fragmentos de Um Discurso Amoroso – Roland Barthes


ARIEL

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

MAROLA


Beto tinha três filhas: Lúcia, Sofia e Júlia. Apesar de não saber muito como lidar com as mulheres, e ter sido recentemente trocado por um argentino por sua esposa Clara, Beto tinha algo de mágico que magnetizava suas filhas em torno de sua personalidade leve e encantadora. Perdeu uma mulher, mas tinha três muito fiéis. E todos os seus planos eram questionados e analisados por elas. Mas sempre apoiados em suas versões finais, revisadas e editadas com carinho por Lúcia, Sofia e Júlia. Um time infalível. E foi assim sempre. Até mesmo quando Beto teve alguns relacionamentos passageiros com outros homens. Júlia era entusiasmada com tudo, não via problemas em nada. Sofia era doce e cautelosa. Lúcia era tímida, introspectiva e brilhante nas horas certas. Todas tinham algo em comum: a devoção total ao pai. Essa harmonia nunca se quebrou. A natureza tem dessas coisas indestrutíveis como os diamantes e as baratas. Os quatro tinham uma ligação natural que não era abalada por marolas da vida. Tinham muita sorte também, luz, chame como quiser – essas coisas inexplicáveis. As filhas cresceram. Sofia e Júlia tornaram-se grandes mães como boas ítalo-brasileiras. Lúcia preferiu desbravar um pouco o mundo. Fotógrafa e filósofa, mantinha a família informada de tudo através de cartões postais, e-mails, orkut... Era mais compreensiva com a mãe Clara, claro, Lúcia era meio cigana também, por isso entendia melhor a mãe. E foi justamente Lúcia que ajudou na reconciliação quando Clara, decepcionada com o argentino canalha, quis voltar com Beto – o homem perfeito: na cama, na cozinha, na conta bancária. Clara era instável e egoísta (quem não é?), mas era amável, inteligente e linda demais para Beto dizer não. Beto disse sim. Lúcia acompanhava tudo de longe, brincava de Deus, feliz como nunca.

ARIEL

sábado, 19 de setembro de 2009

Medo

Arte: Daniel Araújo



Circular e gravitacional – feito uma peça num quebra-cabeças impossível e radiante –, busco raízes esquecidas, referências mortas-vivas sem lugar real, pois já não há nada além da sedução. De tempos em tempos, somos atingidos por uma histeria histórica sem sentido, ventilando como borboletas alucinadas que em dado momento param de bater as asas por motivos térmicos ou esotéricos. E aí só fica o resíduo. O mel. Doce e grudento feito uma música eterna, tocando sem cessar. Na ordem do dia dos simulacros, tudo isso passa batido. Bato uma. Bato duas vezes na porta que não abre. Bato palmas, só, na platéia de qualquer Medeia. Soníferos sonoros, sorrisos holográficos. Sem sombra de dúvida, sei quem sou. Mesmo que meu passado tenha sido simulado pela máquina de moer sonhos e meu futuro seja incerto como todos os futuros abrigos. Queridas abóboras, ezis-tu!


ARIEL

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Céu Laranja


Como carne. Vermelha, branca ou lilás. Qualquer uma!, menos moela: é que odeio miúdos, miudezas, picuinhas. Meu espírito é épico, mas meu corpo é lírico e limitado. Ninguém perguntou nada, mas eu vou falar. Agora todo mundo pode falar um pouco sobre nada. Confesso que abandono livros e pessoas pela metade e jogo fora o miolo do pão – faço uma bolinha e arremesso!, livros e pessoas pela metade. Confesso que procuro uma Nova Metade: maior que a Primeira e menos cítrica – do tamanho do Céu Laranja confortável e casual com cheiro de erva-doce.

Ariel Pádua


"Todo o real é residual, e tudo o que é residual está destinado a repetir-se indefinidamente no fantasmal."
Jean Baudrillard

"Você é a mesma de sempre. Só que desabrochou em rosa vermelho-sangue."
Clarice Lispector


terça-feira, 15 de setembro de 2009

quase

Ilustração: Daniel Araújo



sorriu um sorriso amarelo quase contido quase consigo piscar os olhos tensos suas mãos atadas nos bolsos da calça desbotada pele

desabotoada por um impulso quase otimista de quem compra convites antecipados pincela verdades enlatadas vacas atoladas até o pescoço horroroso da vera fisher só ficou o nome

a agressividade dos ressentidos com o tempo leva os teletubbies ou terei de ser mais redondo e estupidamente gelado e óbvio como flores sem sair do lugar

afirmando incertezas com toda clareza e sofisticação quase coerente quase natural quase original

ariel

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Orgânico


Metódico & farto de si & cheio de dúvidas & dívidas & sonhos óbvios & frases feitas & gestos comuns & pensamentos circulares – obsessivos (liberdade fechada em si mesma) – era assim que era Eu agora como todo mais-um da face da Terra!, Tenho sorte? Que Eu é mais forte? O Eu linguístico, editado, virtual – ou – o Eu carne-osso, de movimentos desajeitados, humanos? Tem um Deus em cada Eu? Ou tem um Eu em cada Deus Ególatra? Ou dá na mesma? Ou não dá em Nada? Corra!, os Andróides estão entre nós, disfarçados de surfistas de Cristo, vendedores da Avon, representantes da HerbaLife, funcionários sorridentes do Pão de Açúcar, Silvios Santos, Hebes Camargos, Robertos Injustus, Lulas, Serras, Mariahs Careys... Mas Eu não! Eu sou orgânico, espontâneo, lúdico, puro, sutil, viril, modesto e belo. O Andróide é Você.

Ariel

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Cartão Postal


Neste dia, João não foi trabalhar, não beijou a sua mulher, não consertou a privada, não bateu no filho mais novo, não sacaneou o vizinho do outro time, não comeu canjica. Orgulhoso, pagou o fiado no bar, esperou o trem e fumou feliz. Achava que sabia o que estava fazendo. Precisava ter certeza. Então teve. Cansou da pessoa que o mundo deixou ele ser. Leila esperava flores do outro lado da maior cidade do Brasil. João, ansioso, da Silva apagou o cigarro e entrou no trem. Viu o mundo passar parado pela janela, feliz, e fim.

Ariel Pádua

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Intuição Masculina

Foto: André Lucato (Londres)



A solidão era a única verdade daquela família de petistas funcionários do Banespa em 87. A psicologia estava super em alta, o capitalismo bombando e a Xuxa miando contra o baixo astral na televisão. As crianças eram monstrinhos consumistas. Perfeitas na sua maldade sincera. Os pais brigavam na sala como se Bruno e Rafael não existissem. Crianças crescidas sem graça – pensou Rafael. Bruno sabia jogar bola, fazer pipa, essas coisas de menino. Rafael não sabia fazer nada. Só pensar. Gostava de ficar no meio dos adultos ouvindo fragmentos de fofocas. Marcelo e Joana, gato e cachorro, Bruno e Rafa. Reuniões do PT, festas sem fim. Frio. Mãe errada no supermercado. Solidão – a mesma de ontem, hoje e amanhã. O choro. O chão. O céu. A pipa do Bruninho subindo, sumindo no céu entre nuvens e pássaros pensativos. Rafael tinha intuição masculina e previu tudo. Só ficou ele. Os outros foram morar nas nuvens. Seu tio Antonio contou todos os detalhes horríveis que ele só foi entender e sentir alguns anos depois.


Ariel Pádua



quinta-feira, 3 de setembro de 2009

zoológico

Ilustração: Daniel Araújo


lá pelas tantas da madrugada quando a cidade média dorme intranquila e a chuva esfria a periferia a zona sul chora seu sonho azul como um rato atrás do queijo isadora não vê a hora de mudar para brasília faz as malas e faz de conta que é feliz porque tudo vai mudar num ritual frenético e obsessivo sai sem norte carregando sacolas do carrefour calcinhas e meias entradas para cinema ela só quer voar se cansou de pisar em ovos e fingir tudo em brasília todo mundo vai achar que eu sou rica e tenho muitos amigos por isso isadora chora por dentro porque é muito branca e depois de se formar em farmácia na pior faculdade ficou pra sempre desempregada porque todo mundo me conhece em brasília posso fazer qualquer coisa até trabalhar em shopping faz de conta que sou uma girafa lógico e todo mundo veio aqui pra me ver

ariel



estava cansada do esforço de animal libertado.

clarice

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Bananas de Pijamas


O Império da Mediocridade começou com a Revolução Burguesa da Terra do Nunca. Todo mundo sabe disso na Área 51, mesmo não tendo uma Boa Idéia do que seja o Brazil, desconfiam que são um povo alegre cheio de penas. Estão certos. O Brasil está na moda. Mas esse filme é velho: Carmem Miranda, Zé Carioca... Será que o “Mickey Mouse Obama” conhece o Jorge Amado, a Clarice, a Elis...? Deus abençoe a América (do Sul). Todos precisam de Heróis. Aos 13, sozinho no meu quarto, ouvia mil vezes, até gastar, o disco ‘As Quatro Estações’ do Legião ‘Renato Russo’ Urbana. Agora, que o-Brasil-está-na-moda-e-daí, o mundo descobriu o que eu já sabia desde os 7 sobre o Caetano – graças a minha família –, que ele é, e sempre será, o Super Bacana. As pessoas mais legais são como ele: orgulhosas, eloquentes, mas sabem dar uma sumidinha básica e pedir desculpas na hora certa. Depois, voltam com Tudo o que tem e não tem pra dar como a Madonna e o Johnny Depp. De verdade, ninguém sabe nada. Elegem filósofos, ídolos, ícones, santos, deuses, reis, anjos, grifes, gurus... Substitutos das Fadas que nos botaram no mundo, no colo, no berço, na cama, na escola, na rua. Ninguém sabe nada. As Mães desconfiam.

Ariel Pádua

terça-feira, 1 de setembro de 2009

por exemplo


, curvada, foi tateando até encontrar o enxaguante bucal debaixo da pia – manter o hálito fresco custa –, desgostosa, lembrou do dentista entre o banheiro e o quarto – dois passos – sofistas, surfistas, e, masturbou-se como todos os dias, mas, sem êxito, não gozou – gozado, desatada, desatou a chorar e a rir e a cantar e sem titubear chamou a polícia – único número que sabia –, abriu a geladeira da prima mais rica, da cidade mais feia do mundo, foi nesse dia que passou a gostar de doce de figo, foi assim, pegou a faca mais afiada que tinha e cortou o figo ao meio, minto, foi dois dias depois de dormir para sempre e acordar só em qualquer sofá – finjo tudo – disse clara, curvada – quando suas frases e seus sedativos não faziam mais efeito


ariel

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Atrizes

Rodrigo Rosa


As flores são das mulheres. Flores espinhosas como Dona Rosa que gosta de sofrer em voz alta. Flores e filhos, só delas. Segundo a Bíblia, a Mulher é a tentação, o pecado, ou seja, o Diabo. Dona Rosa veste Prada, outras nada. Certas Orquídeas compram na Daslu, enquanto as Margaridas vestem Daspu. Todas são atrizes: dramáticas, verborrágicas, intensas, superficiais – dominadoras controladas pela Lua e pelos Hormônios – escravas, negras e brancas, da beleza. Mas podem ser mães e usar uma flor no cabelo. No resto, ainda perdem em Direitos e Dinheiro, mas quanto custa uma flor no cabelo? Deveriam reclamar com o Papa, porém, parecem apreciar esse círculo vicioso – mandam seus filhos mais “sensíveis” para o Seminário, para o Exército ou para o Psiquiatra –, perpetuando o machismo-homossexual-camuflado da sociedade. Nascidos de quadros assim, somos personagens sonhados no sonho de um Deus singular, e contaminados pelo Tédio – constante – aguardamos um remédio que venha da NASA ou de Cuba e troque o Não pelo Sim – dando algum sentido as coisas.

Ariel Pádua


quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Pedro e o Paraíso


Entusiasmado, com brilho nos olhos, Pedro Gabriel entrou na sala do chefe da Indústria Sucroalcooleira, e, bastante exaltado (e exausto), finalmente, pediu demissão. Aquilo era muito pouco pra ele. Não foi pra isso que estudou Agronomia e leu todos os livros do Herman Hesse. Para se tornar um neo-capitão-do-mato da Nova Escravidão Branca Nordestina Alcoolizada? Não. Pedro não queria mais aquela vida de gravatinhas, cafezinhos, piadinhas machistas, comentários idiotas sobre esportes, campeonato de panças, Juliana Paes... Pedro queria paz! Aquela realidade, muito próxima, fazia sentir-se culpado. Era uma culpa diferente de comer um bife ou fumar um baseado. Era uma realidade próxima demais, nua, crua e mal passada. Pedro viu amigos de infância, da pequena cidade de Monte Aprazível, morrerem por causa daquela merda toda. E viu gente humilde, de sotaque engraçado, passando fome, cheios de filhos, e outras coisas de embrulhar o estômago. Por isso, no dia 2 de março de 2009, Pedro Gabriel disse o Não mais saboroso da sua vida. Recebeu um bom acerto da empresa e mudou-se para a Suíça – onde tudo é perfeito, tudo funciona, ninguém passa fome, as mulheres e os homens são lindos e os restaurantes são ótimos. É isso que importa! A origem do dinheiro era incerta e distante. Um paraíso fiscal, é verdade. Mesmo assim, um verdadeiro Paraíso.

Ariel Pádua

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Piloto Automático

André Lucato


O hábito não faz o monge, mas faz, sem dúvida, o tédio, o vazio, e me faz escrever por escrever no piloto automático, firulas e pérolas e recortes sem alma. Qualquer coisa que me leva do nada a lugar nenhum. Há tantas maneiras de não dizer nada. Escolho aqui a mais adequada. Quando se está apaixonado, tudo parece fazer sentido. Mas o amor é mal educado. Chega e vai, sem pedir licença, sem dizer obrigado. Num mundo onde tudo é calculado, o amor é espontâneo, porém, caótico, imprevisível. Não me venham com frases feitas, hoje não. Já bastam as minhas! Não se trata de sofrer por antecipação. É que só a paixão legitima o ridículo de acordar todos os dias no mesmo horário e fazer as mesmas coisas e rir das mesmas piadas prontas. Só a paixão justifica viver num mundo sem pontos, nem vírgulas, deselegante, onde já não é possível distinguir com tanta clareza entre porcos e homens – de boca fechada são quase iguais –, e os espíritos mais nobres encontram-se cansados. Frases feitas? Hoje não. O que não mata, deixa sequelas e enfraquece o coração.

Ariel Pádua

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segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Teologia

André Lucato


Ian voltou de sua introspecção sagrada e profana, breve e eterna, e num estalo, levantou-se, bebeu um café preto, forte e doce, tomou um bom-banho e saiu, mais ou menos, sem destino. Era um dia de sol, sábado, salgado, vivo. Primeiro passou na casa de uns velhos amigos recentes, mas não achou nada. Andou e respirou e sentiu-se só e sentiu-se bem; arejado, forte como uma árvore, livre como um pássaro e as horas passavam, e, para preencher as horas passou na casa de um-certo-alguém. Era caminho, e no desenrolar das horas e das emoções, Ian descobriu que podia ficar invisível e, de óculos escuros, viu o mundo com olhar de fotógrafo, cineasta, e, entendeu a beleza e a leveza do agora. Com Teo, foi andar no cemitério, um museu de vidas: curtas, longas, públicas, privadas. Ian abraçou Teo com amor. Encostados numa grande árvore, de imensas raízes, ficaram ali, algum tempo, contemplando a paz do silêncio, quando, na hora certa, Teo disse: podemos voltar, amor? Ian, num estalo, jogou o maço de cigarros, prometeu virar vegetariano e trocar de emprego. Teo prometeu começar uma nova dieta na segunda, ler mais e falar menos, mas isso não disse, apenas pensou.


Ariel
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quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Tinta Fresca

André Lucato




Débora nunca gostou do seu cabelo muito liso, nem do seu nome e tinha espinhas. Nunca sorriu. Só pra tirar fotos, mas não conta. Era feia. Amarga, invejosa e fofoqueira. Todo mundo é meio Débora pra falar a verdade. Todo mundo já foi feio, já foi pobre, ou é, ou será. Será velho, será chato... Débora! Era uma víbora. Criava intrigas na escola e tudo acabava em pancadas na saída. Ela saía sempre ilesa por fora e marcada por dentro. Canceriana, dizia que a loucura é que move o mundo – pra frente ou pra trás –, mas o tédio paralisa, e, o tédio é a infelicidade. Sorria por dentro com suas pequenas maldades diárias e seguia lisa e ilesa. Um belo dia Débora ficou bela. Teve seus 15 minutos. Casou-se com um dentista, e juntos, compraram um apartamento de revista. Foi feliz pra sempre até os 47. Depois do enterro, o dentista desenterrou uma ex-namorada do mesmo nome. Mania, sina, sinal? Pouco importa. O dentista queria tudo novo, assim-bem-clean-sabe, branco como o céu, do jeitinho que ele viu na revista.


Ariel Pádua

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"Há três espécies de déspota. Há o que tiraniza o corpo. Há o que tiraniza a alma. Há o que tiraniza o corpo e a alma. O primeiro chama-se Príncipe. O segundo chama-se Papa. O terceiro chama-se Povo."

Oscar Wilde

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Amante da Esquina

André Lucato



O macarrão quase no ponto, ao dente. Laura salivava. O molho vermelho, a carne moída. Nelson, jogado no sofá, divertia-se com as facas Ginsu na TV. Cortava tudo! Mas Nelson não queria cortar nada. Nem cebola pra ajudar no molho da Laura. Estava tudo bom como estava. Homem não chora e não corta cebola. Laura era boa de cama e de fogão e pra ela também estava tudo bom como estava. O amante na esquina; amanhã, dia de faxina. Quando Laurynelson nasceu, os dois ainda viviam essa perfeita harmonia. Laura foi promovida na Herbalife. Nelson ficava careca aos poucos e o bairro completamente de saber de tudo. Um dia Nelson descobriu o amante da esquina. Laurynelson voltava da Microlins quando ouviu a explosão, o grito. Tudo ficou vermelho na sua cabeça. Abriu a porta da sala, aproximou-se da cozinha. A panela de pressão tinha explodido. Laura tomava banho, gritou de susto. Nesse dia, Nelson chegou mais tarde em casa, um discreto sorriso, o amante da esquina era Corinthiano, mas não era fiel.


Ariel Pádua

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terça-feira, 11 de agosto de 2009

Atento e Forte

Ilustração de André Lucato


Há certas horas que o tempo parece um cara chato que a gente atura por alguma “razão” porque não dá pra ficar invisível. Dá sim. Quem é “feliz” não escreve, não cria, não busca. Já achou a sua caipirinha na praia. Mas quem reflete lida melhor com as ressacas da vida. Pensar é saber andar e respirar. A mente não é uma instituição separada do corpo. A mente é o corpo. É tudo uma coisa só. Para os orientais, a disciplina não é um fardo, uma obrigação, mas uma atitude quase mecânica e quase natural: saudável. O tão falado “desapego do ego” é saber que você é único, mas não é o único, e, no vão entre um pensamento e outro mora a intuição. A Yoga é a ciência da atenção. Atenção em si, atenção no todo. Você é o observador de você. Nossa meta não deveria ser a “felicidade”, algo tão distante e ideal, mas sentir-se bem agora. Atenção total, olhos abertos, peito aberto, coração tranquilo. Talvez um pouquinho mais, andar na corda bamba se for preciso (equilíbrio), se for necessário. Só o necessário.


Ariel

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domingo, 9 de agosto de 2009

Nossas Senhoras


Carmem Miranda foi nos anos 40 a primeira popstar mundial. Ainda não havia Elvis, nem James Brown, e o Frank Sinatra é um belo chato. Carmem foi a mais brasileira das portuguesas, e, a mais brasileira das brasileiras, porque inventou um ícone de brasilidade. O ícone definitivo.

Nosso país é uma terra de cantoras. Uma tradição paradoxalmente machista. Os homens escreviam as letras e as mulheres cantavam. Como musas, sereias, Iemanjás... Acredito que esse processo não foi muito diferente nos outros países.

A partir dos anos 70 a coisa começou a mudar, aqui e lá fora. As cantoras-compositoras puderam se destacar no auge de uma indústria fonográfica faminta e sintonizada com os avanços feministas. Rita Lee foi o símbolo dessa geração.

Na década de 80, Maria Bethânia fez muito barulho e vendeu milhões, sendo o que é, maravilhosa.

Adoro as meninas do ABBA, Mama Cass, Kate Bush, Irene Cara e Gal foi fatal. Sinead é sublime. Donna Summer tem voz de inverno, de açúcar, de anjo...

A Melhor é nossa, Elis, impecável. A Maior, peca, é do mundo, é nossa também: Madonna, a mais famosa e influente cantora que já existiu. Seu maior trunfo é poder ser tudo. Pegou pra si um pedacinho do paraíso, rápida, como um raio de luz.

Madonna: santa, guerreira, mulher-macho-sim-senhor porque ela é americana e não desiste nunca.
A mais brilhante de todas as Marias.


Ariel Pádua


Maria Bethânia é a segunda artista feminina em vendagem de discos na história do Brasil, atrás apenas de Xuxa. Revolucionou a forma de fazer espetáculos no Brasil, intercalando músicas com poemas.

Vale Tudo

O intervalo ficou mais legal que a novela. Isso é triste e constrangedor. Enquanto os comerciais disparam slogans de liberdade tipo: “não se reprima”, “redondo é rir da vida”, “mente sem fronteiras” e outros semelhantes, as novelas perderam completamente o sentido de arte. São friamente estudadas para agradar a massa na medida certa. Sem chocar. Sem fazer pensar. Apenas entreter, hipnotizar e plim-plim. É claro que nem sempre funciona porque a massa não é tão burra quanto eles pensam e porque o fator surpresa é o fator audiência. Eles sabiam disso nos anos 80, mas parecem ter esquecido. A TV aberta é fechada. A TV fechada é aberta. Mas é paga. E como poucos podem pagar, poucos são atingidos pelo que se chama de vanguarda. E as coisas mudam a passos muito lentos e eu não tenho paciência. Por isso não vejo TV. Raramente alguma coisa na Cultura ou um pedacinho do JN pra saber o que os idiotas estão falando e provavelmente os outros idiotas vão comentar no dia seguinte, incluindo infelizmente a minha pessoa, fazê-o-quê. É assim: o dinheiro controla a política, a política controla a TV, a TV controla o povo e o povo controla o próprio povo. Tudo é cenográfico e a gente não se vê por aí.


Ariel Pádua

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Enlatados

A cada mil lágrimas nasce um Maluf e os milagres ficam pra domingo numa igreja próxima de você. Criticar a igreja é chover no molhado. Mas o grande problema é quando a igreja começa a engolir o que sobrou de Cultura. Os cinemas ficam restritos aos shoppings, os templos do consumo, enquanto as igrejas pipocam como lojas de 1,99. O capitalismo é sem coerência por definição e as igrejas hipócritas por natureza. Algumas já possuem canais de TV, jornais, revistas e elegem deputados e senadores. Pedem um pouco do seu dinheiro e todo seu cérebro em troca de um céu cenográfico, renúncias e sacrifícios. E a vida passa. O socialismo é uma utopia. Sim. Mas o capitalismo é a utopia vigente que não deu certo. Real e cruel, covarde e falsa. Por isso, “camarada”, quando beber o seu caldo-de-cana docinho e abastecer o seu carro com etanol sentindo-se ecologicamente correto, lembre-se dos cortadores de cana “importados” do nordeste. “Aqueles coitados”, escravos, fodidos e mal pagos bebendo suas “caninhas” no bar da esquina depois de um exausto dia de “trabalho”. Essas pessoas sem chances costumam morrer aos 35 de complicações pulmonares devido ao tipo de trabalho exercido. Ironicamente, vivem um pouco menos que a maioria dos médicos e juízes (complicações cardíacas) com suas bundas gordas, sedentárias e pós-graduadas. Uma “judiação”, não é mesmo? Afinal, estudaram tanto para chegar Lá. Poxa-vida!

Ariel Pádua

Umbigo

No corre-corre cotidiano, frente às tolices frequentes da falta de tempo, sinto o gosto de mofo exposto no rosto de todos. Vejo gênios presos em lâmpadas com seus egos cheios de gás hélio. Nenhum ombro amigo quando você mais precisa porque na vida real não há coadjuvantes, todos são principais, apenas conservantes e conservadores. Palavras mal colocadas e desencontros e o que sobra é lixo não-reciclável: mágoas. Quando faço tudo diferente, tudo acaba igual. Tudo acaba. Mas o jogo não. Esse nunca acaba. Esse jogo mórbido e mercenário ocupando um lugar onde só poderia haver entrega e cumplicidade. E a segunda chega implacável com seus comentários ridículos sobre futebol. Toda relação é uma competição: agressividade subliminar, teatro de mau gosto que no meio do furacão separa as aparências do verdadeiro valor. O protagonista fica só em cena. As luzes acendem e não há ninguém na platéia.

Ariel Pádua

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Barrados no Baile

A Geração MP3 já não tem heróis porque atingiu o nível 6 do Individualismo. Uma idéia por dia, um ídolo por semana, uma ideologia por mês. Ainda restam, é claro, alguns resquícios do Cristianismo e da Pop Art. Mas a tendência... A tendência é tudo virar tendência. Tendências sem finalidades. Sei que faço parte de um seleto grupo de predestinados. Mas que glamour há nisso? Se este grupo não tem nada a dizer e diz por insônia ou narcisismo. Excluídos bem escolhidos como feijões podres que olham para as rugas das paredes mal pintadas das suas casas pobres. Os bobos da corte que dela não fazem parte. Por isso levantam o tapete e espalham toda a sujeira. Do Pó viemos, ao Pó voltaremos, mais tarde, àquele rio da Itália, um dia, quem sabe. Talvez seja tudo uma questão prática. Peeling, yoga, comida natureba, meditação e vida eterna agora. O Amor, a gente protela. A Política, a gente protesta por protestar. Quando sai um Sarney, entra outro com mais sarnas. Sanguessugas. Só resta celebrar a Glória de estar vivo. Rir e chorar e às vezes se dar ao Luxo de não sentir Nada.

Ariel Pádua

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segunda-feira, 27 de julho de 2009

Queda Livre

O caminho não se altera. A raiva é necessária e passageira. O que poderia ser e não foi. O que foi e não foi. Foi. A lua continuará brilhando como um queijo gigante criando desejos além do próprio homem. O amor, a prisão, a família: só há vida onde há liberdade. A verdade não dói. É mentira. A verdade cura. Basta usar o dom da atenção sem sair do tom. A verdade, claro está, é, tão-só, uma opinião: convincente, confortante e bela. O mundo pode parecer, em certos momentos, um jogo ou uma brincadeira de mau gosto. Prazer e gozo. Mas a vida não deve ser prazer, nem sofrimento. Deve ser intensidade e busca de paz e perfeição que são somente encontradas no próprio peito. E quando os monstros voltarem: expulse-os com uma gargalhada! Em cada sorriso vive um anjo. Em cada risada tem uma criança.

Ariel Pádua


“O passado é o que o homem não deveria ter sido. O presente é o que o homem não deve ser. O futuro é o que os artistas são.”

Oscar Wilde

terça-feira, 21 de julho de 2009

Meditação

Sitiado e situado no vão do esforço de escapar das diárias tentações, tento traduzir em palavras, pensamentos vaidosos, nunca inteiramente entendidos, mas sempre condenados ou elogiados. Um olhar, um sorriso, uma cara de poucos amigos, um nó na garganta: imagens, magicamente assimiladas. As palavras, elas causam embaraço, são arrogantes, previsíveis. Quando saem da boca já não são mais minhas, nem suas, são do mundo e soam banais. Porque elas passam pelo intelecto e quando são interpretadas são rapidamente distorcidas pela “razão”. As imagens, pelo contrário, são engolidas pelo instinto e jogadas no fundo da consciência do “homem”. Por isso, não há como competir com as imagens. Os livros são sagrados porque ninguém lê. O mundo se parece mais com um palco e os palcos mudaram o nosso mundo. A igreja, os palanques, a ópera, o teatro, o cinema, a televisão: palcos da arte do impacto popular que move o planeta. As palavras são em essência pequenos desenhos com sons e significados. Muitos significados. Mas a imagem da bola é a mesma pra todos. Logo, todas as teorias complexas e supostamente bem estruturadas parecem bobagens hipócritas quando contrastadas com os apelos e as selvagerias da vida “real”. Um minuto de silêncio.


Ariel

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sexta-feira, 17 de julho de 2009

Dislexia

Escrever é solitário e solidário. Provavelmente alguém já disse isso, o que não me impede de dizer novamente. Solitário para quem escreve. Solidário para quem lê. A arte deve ser bela. Pode ser digestiva ou embaralhada. Mas o resultado deve ser mágico, encantador. O processo, obviamente, sempre parte do tédio em direção às estrelas. É tudo isso junto, misturado, batido e bebido como um suco e depois esquecido ou transfigurado. Vamos à pequena história de Beatriz. Seis semanas que não saia do quarto. Pela janela, Bia via, carros e pessoas, imagens meramente ilustrativas. As pessoas com as roupas da estação. Lá fora, era o eterno bate-estaca. Ações controladas pelo deus-dinheiro que guia esta caneta Bic e transforma tudo em papinha de bebê. O deus-dinheiro que esmaga a arte e fode a Bia todo dia. De maneira, que a moda é mais um modo de modelar a massa. Beatriz despreza o mundo, a moda, a massa, a mentira e toda maldade que não seja sincera como a das crianças. Trair o mal é honestidade. Não sei o que faço com Bia. Talvez ela corte os pulsos. Talvez controle os impulsos e vá viver lá fora com a roupa da estação. É por isso que este texto vai ficar no zero a zero.

Ariel Pádua

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Trama

O pequeno lobo desfila na noite vazia vigiado pela lua. Às vezes o pequeno lobo cai nas próprias armadilhas quando inventa um mundo só dele, perfeito, onde só cabe um personagem. Talvez um fantasma. E, como se sabe, o personagem não é criado pelo sonhador. Todo sonho já foi sonhado e o povo interfere na trama. O público fere a trama e fere o pequeno lobo. Mas o pequeno lobo tem o sol de dia e a lua de noite. A lua é pra sonhar, o sol esquenta o coração. Não é preciso trocar de fantasia. Não é preciso trocar um deus por outro de nome mais exótico. O desapego é necessário. A sonoridade, fundamental. O pequeno lobo fareja. Sente cheiro de sangue, carne, cerveja, cigarro e perfume. Sente cheiro de gente, vulgar e sublime. O pequeno autor de pequenas histórias mal contadas cai em si. E sorri. E o coelho foge, assustado, olhando para sempre no relógio. E o pequeno lobo transforma sua dor em doce de leite. E derrete, derretido e acorda mais vivo.


Ariel Pádua

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"E a autoridade, ao seduzir as pessoas a se conformarem, cria e alimenta uma espécie muito grosseira de barbárie."

Oscar Wilde


sexta-feira, 10 de julho de 2009

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Café com saudade

Eu te devia isso. E, nesta manhã, tomando o bom e velho café, a saudade bateu. E bateu muito forte. Lembrei do nascimento de uma amizade. Poucas amizades nascem, crescem e florescem. Normalmente, as pessoas surgem prontas, embrulhadas para presente. Mas com você foi diferente. Fomos quebrando os espinhos aos poucos. Começou naquela aventura infantil e maravilhosa chamada Floripa. Foi lá que você aprendeu a me respeitar. Rio Preto, apezinho do Higienópolis: a amizade se fortaleceu entre nossos “cafés filosóficos”. Por isso, nesta manhã, a saudade veio muito forte. Finalmente, em São Paulo, veio a Consolação. Eu não sei o que seria de mim, sem você, naquela selva. Não importam os seus motivos, foi tudo muito intenso e caótico pra todos, eu sei, mas era você que estava alí comigo, rindo das minhas palhaçadas, me botando pra cima quando o mundo inteiro dizia que eu não era nada. Era você que estava ali comigo, e é só isso que importa. Por que as verdadeiras amizades não surgem do nada, embrulhadas para presente. As pessoas são rosas. Tem que saber onde tocar, como segurar. Se não, é sangue e saudade.


Dedicado à Mariana Menezes.


Ariel Pádua

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quarta-feira, 8 de julho de 2009

Gato Escaldado

O relógio do computador marcava quatro da tarde, quando Lucas decidiu pedir demissão. Era um bom funcionário e ganhava bem. Mas já era tempo de voar. Dona Iolanda não se conformava: a distância, os perigos, os motivos. Nada fazia sentido. Seu passarinho ia voar sozinho. Pra longe dela e pra mais perto de si mesmo. Lucas escolheu Goiânia, a cidade não importava, só queria sair dalí e viver uma outra vida. Iolanda chorava culpada. Equivocada. As pessoas são assim, Iolanda, nunca estão satisfeitas. O dinheiro acabou e Lucas voltou. Quebrado, escaldado, mas cheio de estórias pra contar. Abandonou de vez a Terapia e foi fazer Yoga. Lucas já não cabia na carinhosa gaiola de Iolanda. Foi morar com um pessoal aí, outros Lucas, iguais a ele. Até que encontrou uma passarinha e foram bater asas pra outras bandas. Dessa vez, Brasília, foi idéia de Lucas. Voltaram, dois anos depois, pra cuidar da Dona Iolanda. Lucas era jovem, vinte e sete, mas tinha cem anos no olhar. Era fiel à liberdade e ao seu grande amor: Iolanda.


Ariel Pádua

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terça-feira, 7 de julho de 2009

Quinta A

Joana abusava dos decotes. Sentava na primeira carteira para sentir-se a primeira. Em casa, era a irmã do meio. Mas na classe era a primeira. Logo atrás dela, sentava um gorducho com cheiro de remédio. Todo mundo queria ser a Joana, sentar na frente, apagar a lousa, a bela letra, os decotes... Só Joana não queria ser Joana. Joana queria ser homem, mijar em pé, jogar bola, andar de skate com o irmão mais velho e jogar Atari com o mais novo. Mas a casa nunca foi dela. Joana só era Joana no colo do pai e na beira da pia. Por isso, ia orgulhosa pra escola, onde reinava. E, naquele ano da Quinta A, mesmo sem saber, todos, sem exceção, queriam ser a Joana: o rebelde mimado das calças rasgadas, o pretinho repetente, o gorducho com cheiro de remédio, a garota de óculos da boca roxa, o menino afeminado que sempre sentava perto da porta. Todas e todos.


Ariel Pádua

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segunda-feira, 6 de julho de 2009

Bicicleta Quebrada


Assisto de camarote à futilidade trágica da vida e aos fogos-de-artifícios. Cumpro meus deveres sociais e vivo meu tédio com a dignidade que me foi apresentada. Eu sei, não passar assim tão rápido. Não é só apertão um botão. Foi um furacão. Melhor sair da cidade, esquecer a minha idade e ficar sem bicicleta. A solidão tem o seu preço e o seu prazer possível. Não quero atingir o Nirvana e dar um tiro na cabeça. Prefiro a vida comum e feliz da Julia Roberts. Fale baixo, os vizinhos podem escutar. Vai passar, eu sei, e eu poderia enfeitar este texto com palavras cheias de esperança. Mas não seria honesto hoje. Nada de horizontes e distrações. Só uma parede branca, descascada.


Ariel

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"A minha pergunta será portanto tão simples como as minhas análises: há limites para a indignação?" - José Saramago


http://caderno.josesaramago.org/2009/07/06/critica


quinta-feira, 2 de julho de 2009

Jezebel

Jezebel não era mulher de deixar nada por menos. Carregava nas costas séculos de escravidão. Por isso queria sempre mais. Sabia que se não fosse a melhor, não seria nada, absolutamente nada. É que Jezebel era de família pobre e ignorante, gente sem berço, cá entre nós. Jezebel não tinha mesmo pra quem puxar e não puxava o saco de ninguém. “Eufemista, pai, eu sou eufemista, uma mulher pra frente, sabe?”, dizia sempre. Jezebel era uma mulher apaixonada, cheia de vontades. Deixou Recife com quinze anos e foi pra São Paulo ser “artista”, assim dizia seu pai aos amigos mais chegados. E, ao chegar na Terra da Garoa, a garota virou mulher de vida difícil. Até que um dia juntou um bom dinheiro e montou o seu próprio negócio: uma loja de produtos religiosos e esotéricos (macumba, cá entre nós), “essas coisas do Demo”, diria seu pai, que era crente, se fosse há vinte anos atrás. Mas o dinheiro perdoa tudo e seu pai, nos últimos dias da vida, ainda se vangloriava de ter uma filha “microempresária”.


Ariel Pádua

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quarta-feira, 1 de julho de 2009

Miss Borboleta

Flávia Zentil "Curtindo a Vida Adoidado" em Londres...






Linda.


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terça-feira, 30 de junho de 2009

Hermético

Desenhado por Luágata



Se tudo é um gigantesco espetáculo e o homem nunca pisou na lua, à deriva, vou sendo o que sou. Amante da vida, falso modesto, humano. Hermetismos: só os pascoais e os natalinos. O infame e distante mistério familiar. Aconchegante e arriscado. De repente, tudo vira, num instante, de pernas, para o ar. Não necessariamente nesta ordem. É preciso esperar tudo se assentar. A bagunça se organizar dentro e fora da gente. A vida não tem coerência, nem coesão textual. Não é econômica como um filme americano. A vida é um exagero de sonhos, de sentimentos, de medos. Na ‘vida real’ as pessoas dão duas voltas na chave para protegerem-se de si mesmas. Portas, chaves, cadeados. Não se preocupe: “o que é seu está guardado”. É cada um no seu quadrado, cuidando do seu redondo. É um absurdo.



Ariel
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domingo, 28 de junho de 2009

Omelete

Abriu a porta da kitnet, cansado e louco, por um banho. Vive feliz na sua caixa de fósforos, com seus quadros baratos e reproduções de obras famosas. Vive feliz com suas flores artificiais e seu peixe beta. Gabriel não tem culpa dessa vidinha besta, e, o condomínio não aceita gatos. É assim que as coisas são hoje em dia. Discos, filmes e livros recheiam a sua vida. O notebook é somente necessário, como um automóvel ou um liquidificador. Jamais uma paixão. As paixões não tem explicação. Gabriel desconfia sempre das pessoas que não tem paixões. No seu quadrado, ele pensa, dança, canta, chora... Gosta de filosofar, fumar um, tocar violão, ouvir Madonna e Bowie com seus amigos, e, festejar, sabe lá o quê. Gabriel é um pouco egocêntrico, é verdade, mas é alegre e bonito, por isso desperta a inveja de meia dúzia. Mas ninguém inveja a sua máquina de escrever Olivetti. O que a meia dúzia não suporta é a sua alegria sem razão, o seu jeito bobo de falar e displicente de se vestir. No Brasil, qualquer pessoa que tenha vários talentos não é bem vista. Porém, ele sabe que não é o Chico Buarque, nem a Maitê Proença. Gabriel simplesmente é. E só tem certeza de duas coisas na vida: que é um cara legal e que faz o melhor omelete do mundo.

Ariel



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Genial.






















sexta-feira, 26 de junho de 2009

Luto

foi pobre, foi rico, foi preto, foi branco, foi homem, foi mulher

nunca foi criança, nunca foi feliz

mas foi o cara



http://www.youtube.com/watch?v=33TWf2i2Rws



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"A música de Michael viverá para sempre." - Madonna


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quinta-feira, 25 de junho de 2009

neoliberal















(...)

o neoliberal
sonha um admirável
mundo fixo
de argentários e multinacionais
terratenentes terrapotentes coronéis políticos
milenaristas (cooptados) do perpétuo
status quo:
um mundo privé
palácio de cristal
à prova de balas:
bunker blau
durando para sempre - festa estática
(ainda que sustente sobre fictas
palafitas
e estas sobre uma lata
de lixo)


haroldo de campos


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A Língua do Sol

Seus beijos tem versos. Falam minha língua. Acreditam na beleza dos mundos e das vidas. Recordações soltas no sol, palavras cheias de sol. E o mesmo sol que brilha aqui, brilha em Berlim. O mesmo deus que tá aqui, tá na China. O mesmo sol, o mesmo deus. O mesmo menino soltando pipa. Pomba, serpente, porco. Nunca se sabe tudo. Mas há momentos que achamos que sim. Porque nesse momento, nada mais nos cabe na alma. Naquilo que nos faz humanos – loucos e sábios – através do tempo. Puros como a luz.

Ariel

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Carro Humano

Sophia

Sophia é a palavra grega para sabedoria. E desenvolver a sabedoria está diretamente relacionado com a reflexão, com a sensibilidade adquirida pela vivência diária, com a convivência entre diferentes. No dicionário, algumas palavras sinônimas de sabedoria são: prudência, moderação, sensatez, conhecimento justo das circunstâncias.

Vivemos tempos, principalmente nas grandes metrópoles, onde as pessoas se submetem a tantos afazeres, tempos em que a questão do ter é sempre posta em maior evidência, que as qualidades acima - sinônimas da palavra sabedoria - estão ficando raras. Qualidades que nós, os humanos, deveriamos honrar.

Infelizmente somos negligentes em muitas ocasiões, onde as qualidades acima são essenciais. Nos apressamos em pré julgar, em fazer leituras preconceituosas e distorcidas, justificando que não temos tempo para ouvir, para conviver, para nos relacionar, porque estamos sempre muito ocupados. Somos seres perdidos em nossas próprias construções sociais.

Falta-nos, quase sempre, a boa dose de sabedoria cotidiana. Justificando tudo pela famosa expressão "falta de tempo" estamos fazendo de nosso tempo um tempo mórbido, desprovido de sentido, de reflexão, de alegria, da convivência.

Sei que esta reflexão expressa meus sentimentos de hoje! Oxalá, próximas e próximas reflexões possam expressar sentidos e sentimentos menos tristes!


Blog da Branquinha
http://pensarassociarrecriar.blogspot.com/

terça-feira, 23 de junho de 2009

Relaxa!

Coração Xamã

A vida é energia!

Espalhada pela Grande Alma
como quem espalha sementes,
tomou as mais variadas formas.

Todos nós vivemos
das energias uns dos outros,
em trocas ou apropriações.
Todos os seres alimentam-se
da energia de outros seres.

A vida para manter-se viva
precisa da morte.
E a morte é apenas um veículo
nessa troca de energias.

Portanto, a morte
é companheira da vida e,
as duas, irmanadas,
lutam contra a não-vida.


Mário Scherer

domingo, 21 de junho de 2009

Cobra Cega

Na terceira troca de pele, livrei-me de velhos caprichos, engoli alguns sapos e matei, dentro de mim, certos tiranos homeopáticos. Transformei a gélida noite numa imensa pista de dança da Patagônia. A solitária manhã implacável em café filosófico, apático. Patológico? Na terceira troca de pele, percebe, tudo passou a ser muito intenso, demasiado, humano, e, às vezes, enfadonho. Mas pagou a pena perder a pele de cobra cega, criada, rato de laboratório, representando para ninguém um personagem patético do SBT. Na terceira troca de pele não quis mais ser patinho feio, nem falso cisne. As palavras, em algum momento, seduziram-me. Então, entre sorrisos e improvisos, passei a Ser. Sei lá o que isso quer dizer. Mas é bastante sonoro e isso basta. Só sinto que ser, basta. E, se pá, basta ser.

Ariel

Cassiopéia

Esticou o braço esquerdo e, um pouco irritado, desligou o rádio-relógio. O poster da Lucélia Santos na parede tinha pra ele o valor da Monalisa. Ajeitou o terno e as ombreiras em frente ao espelho. Aquele dia seria um dia como outro qualquer, em Cubatão ou Calcutá. Atravessou a cidade com seu Monza do ano em direção à fábrica de brinquedos eletrônicos onde trabalhava. A televisão era a nova igreja e as crianças o novo mercado consumidor dos anos 80. No toca-fitas do carro tocava Big in Japan e Cássio cheirava a sua carreira bem no centro de Campinas. Aquele dia foi um dia comum. Nada acontecia na vida de Cássio, enquanto tudo acontecia no mundo a passos largos e traiçoeiros. Um dia Cássio desapareceu junto com o Prince e o Pogobol. No ano do Monza, o Lula perdeu a eleição, o Lobão foi preso e muitos artistas morreram de AIDS. Foi mais ou menos assim. Que Deus Cronos me perdoe! Depois veio a Lambada, o Vanilla Ice derreteu, a inflação acabou, mas todos os meus amigos continuam procurando emprego.

Ariel

sexta-feira, 19 de junho de 2009

quinta-feira, 18 de junho de 2009

cereal killer

filtro são joão água
benzida na televisão
a vida é curta eu só
queria um pouco mais
de açúcar

cruel festivo angelical

mate-me de cócegas suba
nas minhas costas grite
o mais alto que quiser
mate-me de rir desça
do salto se puder seja

minha estrela essa noite
sem máscaras sem luz
de velas cem vezes
sim


Ariel

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Brasil-zil-zil!










quarta-feira, 17 de junho de 2009

o ginásio

(...)

o repetente do primeiro colegial
não sei da sua família
vestia quase sempre a mesma
blusa de lã azul macia
embora eu nunca a tenha tocado
aprendi mais sobre os dedos
da mão dele girando
a caneta também azul
do que qualquer matéria
daquele ano

ana guadalupe


http://welcomehomeroxy.blogspot.com/2009/06/ginasio.html

caio, mas levanto.

que eu não perca a capacidade de amar, de ver, de sentir.
que eu continue alerta.
que, se necessário, eu possa ter novamente o impulso do vôo no momento exato.
que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam, que eu não fira ninguém.
livra-me dos poços e dos becos de mim, Senhor.
que meus olhos saibam continuar se alargando sempre...

caio fernando abreu


http://www.frequenciaduvidosa.blogspot.com

Bowie

terça-feira, 16 de junho de 2009

Qual é o RAP?

“O direito senhorial de dar nomes vai tão longe, que nos permitiríamos conceber a própria origem da linguagem como expressão de poder dos senhores: eles dizem “isto é isto”, marcam cada coisa e acontecimento com um som, como que apropriando-se assim das coisas.”


Nietzsche
Genealogia da Moral

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Barbarella, Cravo e Canela

Bom pra caralho!

Eletrodoméstico

– Manso e mediano, caminho humilde em busca de luz e ar puro, da verdade definitiva e consoladora, intestinal e doméstica – mas de todos os eletrodomésticos que me relacionei até hoje, foi o liquidificador o mais encantador – talvez pela sua simplicidade de uso e valor simbólico – não se trata aqui de nenhum tipo de ‘fetiche cyberpunk’, um pouco fora de moda, mas sim um certo orgulho animal-humano civilizado de beber doze vitaminas essenciais e sentir o sabor de tudo ao mesmo tempo agora – oral, verbal – é neste e só neste momento que se revela o erotismo da coisa – em meus escritos enlatados = coisas, circulares e, pretensamente, bem costurados, revelam-se incertezas éticas e fascinações estéticas, vícios, ou melhor dizendo, ideologias – nascidas sempre de ressentimentos que, em uma análise mais calma, nem a mim pertencem de fato, na maior parte dos casos – por isso esqueço por um tempo as laminas e concentro-me nas vitaminas – esqueço as teses e as conclusões e concentro-me nas ‘ciências ocultas’ da arte – por algum tempo – e, entre tantas teorias que se fundem, se confundem e se anulam – entre tantos ‘ses’, fico com a beleza plástica e meditativa das palavras, talvez nelas residam algumas verdades – por algum tempo –


Ariel

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Mar de Rosas

Jogo com o tempo
Um jogo cego
O velho prego
Cada vez mais perto
Crises e credos
Impressões mal digeridas
Atrizes mal dirigidas
O jeito é riscar um fósforo
Espiar o horóscopo
Acender uma vela
Pra não se sentir uma peça
De um jogo de damas
À deriva
Entregue aos espinhos da vida
Os artistas têm licença divina
Como os anjos e os peixes

Ariel

quarta-feira, 10 de junho de 2009

terça-feira, 9 de junho de 2009

papo bacana

senta aí francisco vamos bater um papo bacana sem pontos nem vírgulas a vida é um risco e um risco nem sempre quer dizer francisco pode ser só um rabisco pode ser só um nabisco pode ser só ou acompanhado francisco a vida é boa demais para ser verdade viver a verdade é viver de verdade é viver no cisco do olho na chuva no cheiro de chegar em casa a chave na samambaia é viver francisco é viver vem comigo roubar palavras e sorrisos






















sábado, 6 de junho de 2009

sem ré

não se sinta só no sofá sinta só o sofá sol lá sem dó de si sinta o sol que há lá fora fafá só não si esqueça de si fafá não se esqueça de mim fafá não se esqueça do filtro solar e da minha caloi fafá sol não si esqueça de mi

A Noite

A noite gela e gera monstros e sombras, rumores e amores mal resolvidos, fotografias envelhecidas. Alice não sabia dançar. E eu, assim, não sabia dar o peixe nem ensinar a pescar. Alice vai ser estrela de cinema. Vai ficar pra sempre no céu com os diamantes. Um dia eu vou também, boneco pagão, fantoche, tomar um quentão na quermesse, atirar em patinhos amarelos. O frio da noite pede cama, carne, calor. Pede Alice, pede laços, lagos e luas. A noite pede aço, pede veludo. Pede maçã-do-amor.


sexta-feira, 5 de junho de 2009

Eu-Tu-Eles

Maria não tem ressaca moral. Gozosa de si, fez, na Lição do Sapo, um acordo suave nos Jardins da Quarta Dimensão. O estojo de metal reluzente escorrega da sua carteira, e, o barulho desencadeia o caos na classe. As penas voam e as gírias viram jargões, os jargões viram termos, os termos viram palavras e as palavras vão parar no Dicionário. Maria adora, Maria brilha. Maria prefere o lado de cá que ri e que chora e que dá bola fora. Maria (que belo nome), cheia de graça, recolhe a marmita cintilante, a grossa caneta de dez cores, e realiza, erótica, o sinal da cruz.

Ariel Pádua

terça-feira, 2 de junho de 2009

Peixes

A paz vive nos teus olhos, e eu, já moro neles, entre dentes, nas entrelinhas. Num mar de olhos verdes. Silêncio. Um gesto. Mil sorrisos num sorriso sereno, certo, exato. As mãos, o cigarro, os chicletes. Chego sempre antes, um pouco afobado, contemplativo, mas seguro da minha eterna liberdade refletida em tuas esmeraldas. Não é bem isso, verdade seja dita e sentida, é muito mais que isso. Intraduzível, impronunciável como as coisas sagradas. As palavras desmancham na boca, desnecessárias. É redundante, sim, é banal. É, acima de tudo, lindo.

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